terça-feira, 25 de maio de 2021

A máquina das mãos por Carlos Machado




Maranhense criado no Rio e radicado em Brasília, o poeta e romancista Ronaldo Costa Fernandes já apareceu aqui nesta página na edição n. 126, em julho de 2005. Agora ele volta, graças ao lançamento de A Máquina das Mãos (7Letras, 2009), sua nova coletânea de poemas.
Naquele boletim de quatro anos atrás, dizia-se que o poeta, andarilho e estrangeiro, seguia em busca do humano, perquirindo, indagando, mesmo sem esperar resposta. Em A Máquina das Mãos, o desassossego é o mesmo, a procura é idêntica. Com domínio ainda maior dos instrumentos, o poeta apresenta um universo real e sufocante, em versos que não foram feitos para integrar "o coro dos contentes". O que se encontra aí é uma poesia de mal-estar, de osso e alma perturbados — como aliás tende a ser toda grande poesia.
O olhar atento do poeta se mantém voltado para o incessante movimento da vida, representado tanto pelo que acontece nas ruas, no trem, na rodoviária, como as sensações que percorrem o fluxo íntimo do corpo. Desse modo, em cada verso encontra-se um naco de existência, uma gaiola vazia, uma sala de jantar, um relógio de ponto.
Mesmo quando o poema poderia resultar em algo puramente cerebral, o poeta consegue colocá-lo nos trilhos do cotidiano. Veja-se, por exemplo, o poema "Hopper", que alinha considerações sobre os quadros do americano Edward Hopper (1882-1967), pintor realista popularmente conhecido por ter pintado flagrantes do modo de vida de seu país. Na visão de Costa Fernandes, os personagens dos quadros de Hopper somos nós. (A propósito, por causa Dispensar  desse poema, todas as ilustrações deste boletim são pinturas de Hopper.)

Um procedimento comum nos poemas de A Máquina das Mãos é o poeta partir de um fato particular e daí avançar para um desfecho mais amplo, existencial ou filosófico. É o que ocorre no poema "O Maratonista". O texto já se inicia com uma indagação: "que rumo persegue o maratonista, / avestruz no meio da rua?" E as perguntas se sucedem: "que logra o maratonista nesta longa / jornada dia adentro, / vestido de suor e magreza?" No final, o poema conclui que o atleta "desconhece que o corpo / é que é a pista de corrida da / maratona da vida". Poesia sem truques, sem malabarismos, na justa medida da emoção.
Como bem destaca o poeta paraibano Hildeberto Barbosa Filho, no posfácio de A Máquina das Mãos, Ronaldo Costa Fernandes está entre os que "sabem tocar o limite entre a falta e o excesso, evitando a obscuridade dita inventiva de um lado e, por outro, a facilidade expressiva, logrando, assim, na cartografia poética, o equilibrado encontro de forma e fundo, de linguagem e conteúdo, de estilo e temática".
É isso. Degustem, ao lado, algumas das engrenagens poéticas de A Máquina das Mãos. Essa máquina que se lava na "água da alegria", mas se lubrifica com o "azeite do desengano".


imagem retirada da internet: hopper

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