terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Poema a Lezama Lima, RCF




Esta é a estranha noite de sons gris
que vêm burlar meu sono
como algaravia de festa rumbeira de vizinho.

Um poeta habanero, asmático, de voz grave mas faltosa,
sussurra poemas e nos irmana num tempo alçado à medição zero.

Lezama me diz, sentado em sua cadeira de palhinha,
na varanda da casa, abanando-se com um albanico de paja
que posso habitar espaços tortuosos de ventos frígios
existir sem existir
na presença prístina no casulo exuberante e feroz das palavras
que zunem e produzem o fel do poema.

A noite com seus cachos morenos
olhos trigueiros de quem não teme a luz
nem os versos pardos que se movem nas sombras.

Estreitas são as mãos que me acercam
– afinidades eletivas – a poetas que nunca conhecerei
e que a morte fez supérflua
pois os alcanço como alcança o menino
que pula para apanhar a manga lápis-lazúli
na mangueira nervura de estrofes.



(do livro Andarilho, 2000)

imagem retirada da internet: lezama lima

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