sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Franceses e portugueses no Maranhão em forma de jornal



NOTÍCIAS DO MARANHÃO


FRANCESES CONSTROEM FORTE


 São Luís – Os senhores de Rasilly e de la Ravardière comunicaram ontem que estão dispostos a construir um forte, tanto para a segurança dos franceses como para a defesa do país. Escolheram um belo sítio, muito indicado para esse fim por se achar numa alta elevação e na ponta  de um rochedo inacessível e mais elevado do que todos os outros. O padre capuchino Claude d’Abbeville declarou que de lá se descortina “uma bela vista”.  O padre d’Abbeville ainda acrescentou que “assim entrincheirado, formando um baluarte do lado da terra, o forte se torna inconquistável e tanto mais forte quanto cercado quase por completo por dois rios muito profundos e largos que desembocam no mar ao pé do dito rochedo”.
 O padre Claude d’Abbeville veio acompanhando a missão francesa na conquista da França Equinocial. Na edificação do forte, trabalham não apenas os franceses, mas também os índios. Para melhor acomodação dos franceses, os índios construíram cabanas. Os índios têm mestria na construção desses abrigos. “Em pouco tempo construíram os índios várias cabanas, de um e dois andares, e mais um grande armazém para o qual transportaram, eles próprios, toda a carga de nossos navios”, admirou-se o padre d’Abbeville.
 O forte irá abrigar os franceses. Os que não quiserem ficar residindo no Forte podem morar nas aldeias. Inclusive hospedando-se com os índios que os haviam convidado.
O padre Claude d’Abbeville relatou-nos ainda que “junto ao forte há uma grande praça tão cômoda quão admirável. Nela se encontram belas fontes e regatos, que são a alma de uma cidade, existindo também todas as comodidades desejadas, como sejam paus, pedras, barro e outros materiais que tornam a construção barata”.




CARNE HUMANA NA GRELHA

 A carne humana é comida pelos homens de maneira esfomeada e mais ainda pelas mulheres. Quanto às velhas, se pudessem se embriagar de carne humana de bom grado o fariam. Não é por prazer propriamente que as leva a comer tais petiscos, pois de muitos ouvi dizer que não raro a vomitam depois de comer. A afirmação é do padre Claude d’Abbeville que relata o canibalismo entre os tupinambás. Ontem o padre Claude d’Abbeville deu-nos a seguinte entrevista:
Entrevistador: O senhor poderia nos contar como é o ritual de canibalismo que existe aqui na ilha de São Luís?
Claude d’Abbeville: São prisioneiros. Alguns são bem-tratados e chegam mesmo a se casar com mulheres da tribo. As velhas são as que os recebem com maior alegria.  Se entre os prisioneiros há velhos, comem-nos antes que emagreçam; quanto aos jovens, libertam-nos e os alimentam muito bem para que engordem; e dão-lhes suas filhas e irmãs por mulheres. Embora lhes seja possível fugir, à vista da liberdade de que gozam, nunca o fazem apesar de sabem que serão mortos e comidos dentro em pouco. Matam os mais gordos quando lhes dá na telha por ocasião de qualquer festividade ou cauim.
Entrevistador: O senhor já ouviu histórias sobre os prisioneiros que fogem?
Claude d’Abbeville: Ao prisioneiro geralmente é dado o direito, vamos chamar assim, de fugir. Um ou dois meses antes de matá-lo, amarram-no. Deixam os ferros dos pés soltos e gritam para o prisioneiro: ecoain, foge. Os índios correm atrás, como cães correm atrás de um veado, e em poucos instantes está de novo preso o desgraçado. Para não parecerem cruéis, dão-lhe comida e bebida à vontade. O ritual é longo, acompanhado de cantos, comida e bebida. Depois de muito folgarem e de se divertirem à custa do desgraçado durante dois ou três dias sem interrupção, ele é morto com uma ou duas cacetadas atrás da orelha que lhe quebram a cabeça e fazem cair os miolos no chão.
Entrevistador: E depois, padre, o que fazem com o prisioneiro, ou seja, de que maneira, desculpe a expressão, ele é consumido?
Claude d’Abbeville: Lançam o prisioneiro no fogo para queimar os pêlos. Lavam depois com água quente. Depois de bem limpo e alvo, abrem-lhe o ventre e retiram-lhe as entranhas. Cortam-no em seguido em pedaços e moqueiam ou assam-no. Para isso usam uma espécie de grelha de madeira a que dão o nome de bucan, moquém. Essa grelha é formada de quatro forquilhas de madeira, da grossura de uma perna, fincadas no chão em forma de quadrado ou retângulo e sobre as quais se colocam duas varas com outras menores atravessadas e próximas umas das outras. Colocam os pedaços do pobre corpo estraçalhado, inclusive as entranhas, ficando o resto para o caldo. Tudo bem cozido e assado, comem os bárbaros essa carne humana com incrível apetite.




FRANCÊS CONFESSA O PROJETO DA FRANÇA EQUINOCIAL

 São Luís – Urgente – Fontes fidedignas dão conta dos depoimentos dos franceses derrotados pelas tropas do exército lusitano de Jerônimo de Alburquerque. Segundo autoridades do agrupamento português, todos os detidos para interrogatório chegaram a bordo do Régent, ou seja, passaram apenas cinco meses no Maranhão. O primeiro depoimento foi tomado a Étienne Marechal, normando, da cidade de Honfleur. Étienne confessou que o navio transportava para o Maranhão colonos, entre os quais carpinteiros, serralheiros, entalhadores de pedra, pedreiros, sapateiros e alfaiates, enfim todos os ofícios para a criação de uma grande população. O risco de Portugal perder o Maranhão para os franceses e aqui ser criada a França Equinocial foi grande. Todos os detidos dão conta dos instrumentos de guerra como peças de artilharia em grande número. Os franceses vieram armados até os dentes em suas embarcações bélicas. Noël de la Motte, dos arredores de Rouen, tecelão, depôs sobre o transporte farto de mercadorias assaltadas das terras maranhenses como pau-amarelo, algodão, pimenta e fumo. Binart, tambor de companhia do senhor du Pratz, confessa que, além de artesãos e militares, vieram nobres que morreram como os senhores de Pézieux, de Longeville, de la Prairie, de Rochefort, de Petressy, de Croisilly, filho do tesoureiro do Languedoc, Menoux, de Rouen, e de Jumbarville, da Picardia, entre outros mais. Caso os franceses não fossem derrotados pelos frequentes enfrentamentos, por certo criariam aqui, todos concordam, um reino de França nos trópicos. Nossos índios falariam francês e Portugal teria que conviver com um enclave revolucionário, cujas consequências imprevisíveis poderiam causar a povoação de todo o território brasileiro. 




FRANCÊS E PORTUGUÊS TRAVAM BATALHA DECISIVA

São Luís – Ontem foi travada a batalha de Guaxenduba, que pode representar o fim dos enfrentamentos entre franceses e portugueses. La Ravardière chegou pessoalmente com sete navios, mais de 50 canoas, 400 franceses e, segundo as diferentes testemunhas, 1500, 2000 ou 4000 tupinambás. Seu plano era desembarcar as três companhias, cada uma com 60 homens, comandados por de Pézieux, du Pratz e pelo cavaleiro de Razilly, irmão de François que partira para a França. Auxiliados pelos índios, elas deviam se entrincheirar antes do alvorecer, mantendo-se perto de um riacho a uns cem passos do forte português. À frente de 80 homens e de seus marinheiros, La Ravardière devia bombardear o forte de dentro de seus sete navios para, em seguida, tendo em vista a superioridade de suas forças, exigir a rendição de Albuquerque antes de desembarcar com suas reservas.
 A primeira companhia que foi vista saltando a terra foi a de du Pratz, seguida por de Pézieux que, desejando também atribuir-se as glórias, jogou-se n’água cedo demais com seus homens, o que fez com que muitos molhassem as bombas de pólvora. Mas os índios, vendo-os se debater na água, também empurraram suas canoas para a margem e, com seus gritos agudos, logo transformaram a praia num inferno. Após breve troca de tiros, Diogo de Campos alertou o forte. Albuquerque mandou servir um copo de vinho e um punhado de biscoitos a seus homens antes que ele se engajassem por uma trilha afastada a fim de surpreender o inimigo pela retaguarda, pelo flanco da colina.
 Os índios e os franceses, sob as ordens do senhor de Canonville, construíam um entrincheiramento diante do forte, de modo que pudessem circular protegidos, da praia até a mata. A idéia de Albuquerque de tomar a iniciativa antes que as obras tivessem se concluído foi genial. Ele avançou na mata, enquanto Diogo de Campos, acompanhado por um filho do general, um rapaz de 20 anos de sua companhia, pelo chefe Mandiocopã e por seus tabajaras, apanhava facilmente os que chegavam. Os franceses tinham em mente atacar o forte que estava apenas ocupado por inválidos e doentes, enquanto que os portugueses atocaiavam os franceses pela retaguarda, sem toque de tambor nem bandeira.
 A luta foi cruel e talvez definitiva. Esperemos os próximos acontecimentos. Mas a percepção deste jornal é que a batalha se configura o começo do fim de La Ravardière. Logo de início, o nobre De Pézieux foi morto na primeira fileira. Era um sinal inequívoco da derrocada francesa. O combate durou menos de uma hora e prolongou-se n’água. Os soldados franceses, com botas de cano alto, inapropriadas para aquele tipo de combate na água e na lama, vestiam também meias e calças de tecidos grossos que ficavam pesados por causa da água, revelou uma testemunha. Os franceses acabavam atolados e mortos pelos portugueses e índios aliados.

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