quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Dois velhinhos, Dalton Trevisan


 

 

 

                Dois inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

                Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um consegue espirar lá fora.

                Junto à porta, no fundo da cama, para o outro é a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com inveja, pergunta o que acontece. Deslumbrado, anuncia o primeiro:

                – Um cachorro ergue a perninha no poste.

                Mais tarde:

                – Uma menina de vestido branco pulando corda.

                Ou ainda:

                – Agora é um enterro de luxo.

                Sem nada ver, o amigo remorde-se no seu canto. O mais velho acaba morrendo, para a alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

                Não dorme, antegozando a manhã. O outro, maldito, lhe roubara todo esse tempo o circo mágico do cachorro, da menina, do enterro de rico.

                Cochila um instante – é dia. Senta-se na cama, com dores espicha o pescoço: no beco, muros em ruína, um monte de lixo.



 

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