terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

William Shakespeare: os primeiros 450 anos


 

FABIO DE SOUSA COUTINHO

 

Considerado por colegas, discípulos e leitores o mais lúcido e referencial crítico literário surgido nos Estados Unidos nas seis últimas décadas, Harold Bloom (1930) é, acima de tudo, um arguto intérprete e devotado divulgador shakespeariano.

 

Seu livro de maior projeção, entre os cerca de vinte, todos de qualidade superlativa, que publicou desde 1959, constitui verdadeiro tratado, ao longo do qual, peça após peça, examinou os trinta e cinco textos que compõem a inigualável obra poética e dramatúrgica do bardo de Stratford-upon-Avon. O calhamaço se intitula “SHAKESPEARE - A Invenção do Humano” e foi editado no Brasil, com primorosa tradução de José Roberto O'Shea e revisão de Marta Miranda O'Shea, pela Editora Objetiva, no ano 2000. O Professor Bloom dividiu seu monumento estético, de quase novecentas páginas, em nove partes, correspondentes a igual número de categorias que atribuiu, com irreprochável critério científico, ao OPUS THEATRALE de Shakespeare.

 

Assim, na Parte I, As Primeiras Comédias, figura, por exemplo, A MEGERA DOMADA; na Parte II, Os Primeiros Dramas Históricos, aparecem HENRIQUE VI e RICARDO III; na Parte III, As Tragédias de Aprendizado, o destaque é para ROMEU E JULIETA; na Parte IV, As Altas Comédias, Harold Bloom analisou, entre outras, SONHO DE UMA NOITE VERÃO, O MERCADOR DE VENEZA e MUITO BARULHO POR NADA; na Parte V, Os Grandes Dramas Históricos, desponta  AS ALEGRES COMADRES DE WINDSOR; na Parte VI, As "Peças-Problema", brilha MEDIDA POR MEDIDA; na Parte VII, As Grandes Tragédias, cinco peças esplendorosas: HAMLET, OTELO, REI LEAR, MACBETH e ANTÔNIO E CLEÓPATRA; na Parte VIII, O Epílogo Trágico, avulta CORIOLANO; e , por fim, na Parte IX, Os Romances, seis títulos que enfatizam o diferencial shakespeariano, sendo A TEMPESTADE o mais pujante e arrebatador dentre eles.  

   

Ao abranger, em trabalho de quase impossível superação, um conjunto literário que inaugurou a forma mais corrente de representação de personagem e personalidade, em língua inglesa, Harold Bloom sustenta que Shakespeare, ao mesmo tempo, inventou o humano, conforme hoje nos é conhecido. Nesse aspecto, o mestre de Yale chega a ponto de afirmar que seu ídolo é o primeiro psicólogo, e Sigmund Freud, que viveu trezentos anos depois de William Shakespeare, um "retórico tardio".

 

Nascido em 1564, o fenomenal escritor faleceu, não tão precocemente para os padrões etários de sua época, aos 52 anos de idade, em 1616. São literalmente incontáveis as utilizações e derivações artísticas de seus trabalhos, nos quatro séculos e meio que transcorreram desde que veio ao mundo. Sua importância intelectual encontra pouquíssimos paralelos na história cultural da humanidade, na era cristã: talvez a ele se equiparem, ou dele se aproximem, no idioma espanhol, Miguel de Cervantes, precursor do romance ocidental; o florentino Dante Alighieri, fundador, no primeiro quartel do século XIV, como corolário linguístico do dialeto toscano, do italiano moderno em que está moldada, lapidarmente, A DIVINA COMÉDIA; Luís Vaz de Camões e Fernando Pessoa, os maiorais de Portugal e de nosso riquíssimo vernáculo; Victor Hugo e Marcel Proust, gigantes da gloriosa literatura francesa; Johann Wolfgang von Goethe, expoente da culta, cerebral e admirável prosa alemã.

 

Na jubilosa celebração sem fronteiras dos 450 anos de seu nascimento, torna-se inescapável atestar que William Shakespeare marcou, pela grandeza inexcedível de sua criação imortal, um encontro sem fim com todas as posteridades. Existirá enquanto houver tempo e espaço. É espécime raro, único, absoluta e impermeavelmente genial, que saiu da vida para viver no (uni)verso. 

 

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