terça-feira, 29 de setembro de 2020

Meu verbo é um chicote, poema RCF

Tocata







Meu verbo é um chicote
no sadomasoquismo do poema
com sua focinheira de couro de submissão à ideia
– a ideia que por sua vez é uma dor –
e as botas rítmicas das rimas nunca rimadas.

Vivo nesta cidade criada pela circunstância do sol
clave maior
eu inventado pelo horizonte vertical de luz
na verbosidade dos verões sempiternos
cujas manhãs mantêm rígidos preceitos.

Mas, embora com tanta luz,
vago cabra-cega,
no cangaceirismo de sombras traiçoeiras,
a tatear no pique esconde
corpos de formas vadias,
a vida rasteira de capoeiras.

Ao acordar, deparo-me
com a cama desfeita
de natimortos: é o útero
do poema, parindo versos
que se dissolvem
no borralho do sonho.

Dou comigo como quem cruza com um desconhecido
ao estranhar o verso em que me desencontro
e saber que sou eu em forma de letra
que mais me desconhece porque me confronto.



(do livro Andarilho, 2000, Ed. 7Letras)


imagem retirada da internet: jeune.mort.deviant.com

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