sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Espinha dorsal de vidro, poema RCF




 



O medo é parente das baratas
e das formigas.
Ama as frinchas da razão,
devorando o açúcar da lucidez.
Habita o pasmo escuro.
Turva o sol geométrico
(o ângulo reto do meio-dia)
e enlameia a água turva da certeza.
E mais que tudo
arrasta  os minutos
como fileira de formiga,
cada qual carregando
um pedaço de medo
a fim de enfiar-se num canto silencioso
e ouve-se o roer das sombras
que mais se esfarela
quanto mais avança a madrugada.
Ou é um enxame
de nós que ninguém desata.
Um sangue intoxicado de
de culpa que só acusará
a si mesmo.
Nenhum remédio
amortece as paredes de gilete,
os travesseiros de percevejos,
as mãos em brasa
que se liquefazem ao aperto do coração.
O pior mesmo é andar
com a espinha dorsal de vidro do medo.
E não adianta se proteger
com agasalhos: Deus, amigos, trabalho.
A qualquer momento,
num passe de mágica
a espinha se dobra
e não há como recolher os cacos.



(do livro O difícil exercício das cinzas, 2014)


(imagem: radu belcin)

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