quarta-feira, 26 de junho de 2019

O coração das trevas no pulso, poema RCF



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O relógio de ponto calcina
o coração das horas.
Na bainha do pulso
o tique-taque da bomba-relógio.
Os minutos disparam
o gatilho do tempo.
A roda da fortuna
 sempre os mesmos números.
Tiros de festim na pontaria dos ponteiros
atingem o difícil exercício das cinzas.

(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)

terça-feira, 25 de junho de 2019

O boi, poema RCF



na colcha
                  de retalhos das plantações
o campo
                  não se mede com o metro do homem
o que vale
                 são os pastos
o livro tombo dos mourões
o tabelionato das valas
a notaria dos rios
o documento de letras dobradas
dos córregos e montanhas

o boi
              é o verdadeiro agrimensor
                                                anarquista
tabelião rebelde
              só respeita a seca
                                     forma de cerca
               hectare de um metro
que o cerca a cada passo
                            na terra devastada

o boi
           come o hectare
                                como quem pasta o limite


(do livro Andarilho, 7Letras, 2000)

(imagem retirada da internet: pintura ignacio da nega)

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Ensinamento do mundo, poema RCF



Em cada luz há implícita a escuridão.
Tão urgente
quanto um pássaro
que não pode fechar asas
em pleno voo.
A vocação fantasma dos navios
– existir na imaginação
incrédula dos outros.
O cinza é a dor
que mais endurece.
(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)