quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Minha Foz não é do Iguaçu, poema RCF





A rotina muralha o dique das vontades.
Tudo comporta minha voracidade represada.
As hélices da liberdade
logo percebo são asas de borboleta,
lúbricas, mas aleatórias e divergentes.
O que me põe elétrico são as turbinas do sonho.
Em outros momentos, seco-me.
Desaba sobre mim o desânimo.
Não sinto nenhuma energia.
Só uma queda na seca.
Um arame de água
– o desconforto do abismo –
nada de mar vertical,
o drama de esperar
a catarata do tédio
as sete quedas da semana.



(do livro MEMÓRIA DOS PORCOS. Rio: 7Letras, 2012)

(Sete Quedas, de Reginaldo Pereira)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Vida militar, poema RCF




radu belcin


O que o homem carrega em sua pasta
é mais que papéis: leva com ela a cabeça.
Cada órgão tem sua idade,
pode-se supor que um fígado seja adolescente,
enquanto o coração amadureceu.
As ideias também têm rugas
que são difíceis de maquiar.
Faz mal aos pulmões
quando se inspira compaixão.
O homem sai de casa acompanhado por tropa:
vão com ele seu medo, que tem alta patente,
um pouco à frente segue o futuro,
que vai mudando de farda,
do seu lado vai o fardo,
que é o grosso da tropa.
Arregimenta sua dor
camuflada de civilidade
e aquartelada pela caserna do trabalho.
Reformou-se da alegria
só espera a hora de dar baixa
no pelotão dos homens.
Só tem um superior:
o deserto que o faz mais raso
e a vida de quartel
onde não sai da guarita,
sentinela que é do inimigo
que o ronda
na noite deserta
ou na manhã que não nasce.                                                    

(de O difícil exercício das cinzas, 2014)