quinta-feira, 19 de março de 2020

Leito profano, poema RCF








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Os amantes se unem na formidável imagem
de um ser de quatro pernas e quatro braços.
Os amantes não são dois, muito menos um,
são muitos que se deitam na mesma cama
de gemidos vicinais, de rios abundantes
que desembocam, ora rudes, ora alegres,
numa foz dissoluta de líquidos e vozes.

Multiplicam-se, cercados de fantasmas erradios,
horizontal floresta de pelos e peles.
A branca flor do desejo, 
tão pura e difícil
como a travessia na corda bamba
entre dois prédios que não existem.

Solícita e adocicada, 
a matéria se corrompe
à quentura dos nervos 
ou à mansidão do fastio.
O fascínio pelo abismo que é pôr 
o pé no chão frio ao baixar do leito.
No leito deste rio,
só há fluidez de pesadelos ansiosos,  
umedecidos, e de correntezas de ar e culpa.
O travesseiro que cumpre seu nome:
atravessar o vivente 
para as águas profundas do dormente.





(do livro Matadouro de vozes. Rio: 7Letras, 2018)




terça-feira, 17 de março de 2020

Fogo fátuo, poema RCF





Que fogo me faz fátuo?
Este músculo retorcido do espírito
é um desembainhar de inventários.
A beleza me fascina,
tempestade de enredos,
remota revelação de que algo
pode ser precioso
sem ser pedra ou metal.

(A máquina das mãos, 2009)

imagem retirada da internet: igor k marques




Bandeira, poema RCF




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Minha bandeira é não dar bandeira.
Minha bandeira é o toque de silêncio,
a morte do soldado desconhecido
que sou.
Quem depositará flores
neste monumento à minha batalha?
Minha ordem não tem progresso.






(do livro A máquina das mãos. Rio: 7Letras, 2009. Prêmio de Poesia 2010 da Academia Brasileira de Letras)