quinta-feira, 23 de julho de 2020

A natureza das coisas, poema de A máquina das mãos





Eu não aprendo a natureza.
Pergunto uma e outra vez seus nomes,
e, na chamada, não me respondem.
Sorriem com seus dentes fluidos e roxos,
e desejam a ausência do verde
que tudo iguala e nada revela.
Queria sabatinar as árvores,
mas elas se queixam de solicitude.
Queria dizer meu Deus às plantas,
embora o silêncio enraizado
e o berro contido das raízes
se emaranhem na minha pobre cabeça.
Entre um arbusto e outro,
há um código morse de olfatos
que não consigo decifrar –
a natureza me telegrafa um passado de cercas,
buganvílias desavisadas, quaresmeiras duras,
pensei que havia motivo para me preocupar
com a grama, que é uma planta capacho,
uma forma de a natureza subjugar-se
ou, tresloucada,
arregaçar os cabelos altos
na insanidade dos enterrados vivos
mostrar os cabelos dos mortos,
como um cemitério de cabeça.




( do livro A máquina das mãos, 2009)
 
imagem retirada da internet: magritte

terça-feira, 21 de julho de 2020

Poema Manoel Caetano Bandeira de Mello (1918-2008)



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A vida é absurda e absurdo
é dela o sentimento que me assalta,
e quanto mais lhe alguma trama urdo
o seu entendimento mais me falta.
Ao rumor do mistério sempre surdo,
qual se um outro oceano de onda em alta
pairasse sobre a terra onde me aturdo
no plano de onde a mente nunca salta.
Ah, quanto desejava virlumbrar-te,
ó vida, que me prendes na cadeia
deste tempo que passa sem que o sinta;
quem dera, por algum segredo de arte,
ao menos deslindasse em tua teia
o fio dessa linha nunca extinta.




segunda-feira, 20 de julho de 2020

Caminhos de ferro, poema RCF





O diálogo de ferro
dos trilhos
– monólogo a dois –
a indiferença dos dormentes.