quarta-feira, 28 de julho de 2021

Perigosa manhã, poema Memória dos Porcos


 


O dia nasceu prematuro,
os bracinhos de galhos secos,
o cobertor de lã cinza
cobre o corpo franzino da manhã,
o rosto amarrotado de nuvens.
Sob o narcótico do sono,
o sol, com sua luz antibiótica,
briga para arregaçar as mangas do dia.

Viro-me na incubadeira da cama,
a focinheira bafeja ar seco,
como seco é o choro do orvalho das árvores
                                    no estio de julho em Brasília.

O cinza que tudo anula,
desfaz, apaga ou nega
– existência que desconhece a existência –
não logra me trazer de volta à rotina
dos que vão para a enfermaria do trabalho.


(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)


segunda-feira, 26 de julho de 2021

Crime passional, poema RCF






Só o homem é capaz do exagero.
Aquilo que aparenta ser exagero
– tempestade, tormenta, rio caudaloso –
é apenas crime passional das águas.

Ó tu que não sabes ser só,
vem, aconchega-te,
a natureza não conhece a solidão.
Por que o vermelho
dá a falsa impressão do grito?


(Eterno passageiro, 2000)


domingo, 25 de julho de 2021

Lêdo Ivo comenta Memória dos Porcos





”Gostei do livro. Um eu pessoal e existencial, e predominantemente confessional, quando não observador, está presente na maioria dos poemas. As experiências, situações, episódios, imagens e reflexões são vistas de um determinado ponto de vista, mesmo quando esse local de observação se desloca ou viaja (ou finge deslocar-se ou viajar). E é essa impermanência dentro da permanência e da fixidez um dos encantos desse livro buliçoso, irônico, alegre, vivo e vívido, e que tanto atrai a cumplicidade do leitor.”