domingo, 7 de agosto de 2022

Lembrança, poema

 


 








 

 

 

Não me lembro do que esqueci.

O dente de leite

que caiu no café da manhã?

A estrela cadente

que não incandesceu nos meus olhos?

A água viva que matou o verão?

O abraço de madeira

no corpo florido do meu pai?

A morte se maquia;

por isso, minha mãe saía à rua falecida.

A lágrima é um colírio

que se pinga de dentro para fora.

Um colírio que não alivia.

Só não posso esquecer que sou gente.

Não quero ter uma vida de cão.

Estudei pra burro

para não ser um asno.

Tampouco quero ser floresta.

Cresço melhor à noite.

Minha fotossíntese

é uma dialética

entre a tese da treva

e a antítese do florescente mal

de respirar minha inspiração.

 

Amanhã, se alguém me chamar na rua,

direi que sou passante.

E os passantes não têm nome.

Passantes são animais pequenos

que não têm nome como as pedras.

Só as pedras gigantes têm nome.

Sou muito pequeno

para um monte de coisas.

 

 

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