sábado, 30 de julho de 2022

O verde é meu vizinho

 


 

 


 

 

 

De minha janela,

o verde me vê.

Sinto-me constrangido,

porque sou maduro.

Pensa de mim

que sou das espécies sem seiva

e meus galhos são inflexíveis

como um ponto de exclamação.

 

Não distingue bem

o que é uma máquina

e meu corpo:

acredita que sou

mais um aparelho doméstico.

 

Tenho o aspirador a ambições,

o ar-condicionado pelas emoções,

o tapete para onde varro

o lixo da memória

e que falo sozinho

como um rádio.

 

Olha-me sempre sentado

e acredita que

sou como os Budas

que são estátuas

do que Freud chamou

de a felicidade do quietismo.

 

Que junto letrinhas a ver

se florescem ou murcham.

Não com a seca ou a chuva,

mas a ingênita lavoura da diáspora

que abre o mar morto dos sonhos

na canaã da folha em branco.

 

O verde que me vê num quadro

se espanta

com a figura imóvel entre móveis que não se movem,

e estranha

uma árvore marrom 

ter seu ninho na cabeça 

e o respirar dos bichos.