sexta-feira, 4 de julho de 2014

As flores do bem, Fabio Coutinho


 
                                                                            
 
Em 3 de novembro de 1934, veio ao mundo um dos maiores poetas brasileiros de nossos tempos, Ivan Junqueira. Neste 3 de julho de 2014, a exatos quatro meses de completar 80 anos, o formidável vate, ensaísta e tradutor nos deixou, depois de amargar penosa internação hospitalar, em sua cidade natal.
 
O carioca Ivan sempre viveu na Cidade Maravilhosa, onde foi estudante de Medicina e de Filosofia, além de haver-se iniciado no jornalismo em periódico, a célebre Tribuna da Imprensa, que gozou de seu maior prestígio na década de 1950. Mas foi na de 1960 que Ivan Junqueira se lançou como poeta, iniciando uma carreira literária que, ao lado da tradução de poesia, da organização de edições e do ensaísmo, viria trazer-lhe a consagração em 2000, ano de sua eleição para a Cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão do grande João Cabral de Melo Neto. OS MORTOS, de 1964, foi o primeiro livro de poemas de Ivan, a ele seguindo-se, entre outros, TRÊS MEDITAÇÕES NA CORDA LÍRICA, de 1977, A RAINHA ARCAICA, de 1980, O GRIFO, de 1987, e o espetacular A SAGRAÇÃO DOS OSSOS, de 1994, que, no ano seguinte, lhe valeu seu primeiro prêmio Jabuti. O segundo foi conquistado em 2008, com O OUTRO LADO, que viera a lume no ano anterior.
 
A pena do Ivan Junqueira ensaísta costura um culto e elegante artesanato textual, refletido em livros como O SIGNO E A SIBILA (1993) e O FIO DE DÉDALO (1998), esplêndidas coletâneas de ensaios ingleses, alemães, franceses, gregos e portugueses. Além da poesia e do ensaísmo de escol, Ivan é reconhecidamente um dos maiores tradutores de autores fundamentais nas literaturas produzidas em idiomas de ponta, no cenário mundial. Para exemplificar, são de Ivan Junqueira traduções definitivas de obras de T.S. Eliot (Quatro quartetos), Charles Baudelaire (As flores do mal), Jorge Luis Borges (Prólogos), Marcel Proust (Albertina desaparecida) e tantas outras, quase sempre acompanhadas de notas explicativas de alto teor de erudição.
 
Nas obras de Ivan Junqueira, desenha-se o espaço luminoso da ação (po)ética, com rigor e força artística incomuns. Como ele próprio escreveu acerca da obra impecável de Alberto da Costa e Silva, cabe, de sobejo, afirmar que os versos e estrofes soberbos de Ivan Junqueira não se escrevem todo dia ou a qualquer hora. Trata-se, a rigor, de construções em que a poesia atinge seus mais altos níveis de excelência estética.
 
Na síntese irretocável de Theodor Adorno, o clarividente mestre da Escola de Frankfurt, "a inteligência é uma categoria moral". Escritor dotado de intelecto privilegiado, Ivan dedicou mais de cinco décadas de sua bela existência à produção do que de melhor, mais sério e mais lúcido se fez na poesia brasileira contemporânea, o máximo que se consegue de beleza com a utilização do principal recurso humano.
 
Em suma, homenagear a memória de Ivan Junqueira, na hora tristíssima de sua partida sem volta, é circunstância que, ultrapassando a reafirmação da força indelével da Literatura, exalta a própria arte poética, manifestação superior da criatividade, do esforço e da paixão dos homens.