quinta-feira, 21 de maio de 2015

O dia em que tomei chá com a primeira-dama da China


Cheng Hong é mulher do primeiro-ministro da China. Veio acompanhando o marido que esteve anteontem (19.05) com a presidente Dilma Roussef. Chen estudou nos EUA e traduziu para o mandarim livros de John Burroughs, Henry Beston, Tempest Williams.Ela é especialista em Nature Writing, ou seja, autores que trabalham a relação entre o homem e a natureza. Admira Thoreau que propunha a volta à natureza, abandonando o pragmatismo da crescente vida de consumo e coisificação da sociedade industrial norte-americana.


Ontem, no final da tarde, depois da Cheng Hong dar um passeio pelo lago Paranoá, teve um encontro com cinco intelectuais brasileiros. Excetuando a mim, mero escribidor, que não me incluo entre os intelectuais, estavam ali também para um chá com a “primeira-dama”, Marcio Souza, Elizabeth Haiz, a professora norte-americana More e o poeta Nicolas Behr.




Márcio falou da literatura amazônica e, só ao final, comentou seu livro Galvez, o imperador do Acre. O poeta Nicolas apresentou o cerrado para a Sra. Hong. Elizabeth comentou Guimarães Rosa. A professora More discorreu sobre Thoreau. E eu sobre a natureza em Cacau, de Jorge Amado. Ao final, tomamos um excelente chá chinês. Cheng Hong nos entregou cinco volumes de suas traduções dos autores norte-americanos. Em mandarim.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Euclides da Cunha, Fabio Coutinho


 

 

Quando Euclides da Cunha concluiu Os Sertões, em 1902, Machado de Assis já era considerado o grande nome das letras nacionais, graças à publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Com Os Sertões, passou a existir, em nosso ambiente literário, mais um narrador genial, produzindo, em português do Brasil, uma obra extraordinária, de cunho a um tempo sociológico, histórico e ficcional. Até hoje, decorridos 113 anos de sua edição original, o livro de Euclides da Cunha permanece inabalável no topo da pirâmide cultural brasileira, algo poucas vezes igualado em todo o curso do século XX ou neste início do XXI.

        Euclides da Cunha inaugurou com Os Sertões uma nova visada da Literatura Brasileira em direção ao hinterland nacional, muito diferente do sertanismo  romântico de José de Alencar, por exemplo. Euclides traçou um novo itinerário que será posteriormente seguido pelo romance de 30 e mesmo por Guimarães Rosa com Grande sertão: veredas (1956).

        Contemporâneo das teorias evolucionistas e deterministas do final do século XIX, Euclides compõe Os Sertões em uma estrutura de três partes (a Terra, o Homem, a Luta), seguindo o modelo de Taine (raça, meio e momento), estabelecendo, a partir do episódio da guerra de Canudos, uma ampla interpretação do país, em que o Brasil civilizado do litoral se confronta  com o Brasil agreste, bárbaro e trágico do sertão.

        Sob o preciosismo  e o cientificismo do vocabulário, a tensão e a dramaticidade da frase são o que mais impressiona na linguagem de Os Sertões, a exemplo da seguinte passagem  da terceira parte da obra:

 

“ A luta é desigual. A força militar decai a um plano inferior. Batem-na o homem e a terra. E quando o sertão estua nos bochornos dos estios longos não é difícil prever a quem cabe a vitória. Enquanto o minotauro, impotente e possante, inerme com a sua envergadura de aço e grifos de baionetas, sente a garganta excicar-se-lhe de sede e, aos primeiros sintomas de fome, reflui à retaguarda, fugindo ante o deserto ameaçador e estéril, aquela flora agressiva abre ao sertanejo um seio carinhoso e amigo.”

 

Com a bagagem de cientificista de sua formação de engenheiro militar, Euclides interpreta previamente o confronto entre o exército e os seguidores de Antônio Conselheiro como o resultado da marcha positiva da história sobre as raças inferiores e incultas das áreas atrasadas do País. Porém, com o desenrolar da luta e, especialmente, com a execução sumária (degola) da população restante de Canudos, o escritor percebe que o crime e a loucura estavam incrustados na própria civilização do litoral, enquanto a força, antes de tudo, estava no sertanejo.

Canudos não se rendeu: resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.

Tão impressionado ficou com a obra de Euclides da Cunha, o escritor peruano  Mario Vargas Llosa (Prêmio Nobel de Literatura, em 2010) nela se inspirou para a escrita de  La guerra del fin del mundo, de 1982, exatos oitenta anos transcorridos da versão inaugural  de Os Sertões.

Em língua inglesa, o magnífico livro brasileiro recebeu o título de Rebellion in the Backlands, traduzido por Samuel Putnam e editado por The University of Chicago Press, em 1944.