sábado, 19 de fevereiro de 2022

Laranja, poema RCF

 Van Gogh: Qual destas duas obras foi a última a ser pintada? - arteref


 

Visitei um campo de laranjas.

Cada fruta era um sol,

pendurada no arame dos galhos,

como um girassol sem penas.

 

As árvores marchavam

na militar fileira de seivas.

Um campo de concentração

de clorofila.

 

Peixes voavam na maré verde.

Camponeses adubados

em garrafas plásticas

desenroscavam

seus olhos de alumínio.



(do livro Matadouro de vozes, 2018)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A especiaria dos despojos, poema RCF






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Tenho o temperamento das especiarias. 
Cravo os dentes na manhã.
Outras vezes, voz moscada 
a noite
como um louco amanhece nublado.

A droga dos sentidos,
a farmacologia do bem e do mal.
Nada em mim é sobrante.
A pele como um casco de navio
que separa dois mundos.



(do livro Matadouro de vozes. Rio: 7Letras, 2018)


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Fugata, poema RCF

 

 

Highlight Bildende Kunst Otto Dix - Berlinische Galerie
Otto Dix

 

 

 

 

O pulso dos antepassados

tem pressão baixa.

Herdei um relógio

de horas antigas.

 

Carrego meus mortos no pulso

– a exumação dentada.

O batimento cardíaco

roda a máquina

dos ponteiros autistas.

 

O dia rende suas multas.

 

Aqui, as árvores se abrem

como um balé moderno elétrico

de plumas de espinho,

e se fixam como um grafite

no muro do cerrado.

 

Meu coração tem o ponteiro dos minutos:

a taquicardia dos morses.

Minha empresa

é a falência da memória:

uma indústria que não fabrica mais emoções.