domingo, 20 de novembro de 2022

O perdão, poema

 






A lixa vai limando o tempo.

Tem gente que se lixa para o tempo.

Mas ninguém escapa da folha áspera. 

Da folha que retira camadas de anos 

e dá a primeira mão do passamento. 

Quando a lixa fica velha, 

porque a lixa também tem sua lixa,

perde os dentes e saliva apenas esfregão.

A lixa arremata móveis, 

gente, ferrovia, bola de gude, pensamento, 

amores, dissidias, mas não fere o ódio, 

nem outras moléstias de desaforo do sentimento. 

Só a morte, que é a lixa final, 

que logo dá superfície sem tinta,

consegue lixar o desacordo.

Há gente que diz que o perdão 

é uma lixa cor de rosa 

que alivia, lima, 

corrompe o que já é corrompido, 

logo por oposição, dá brilho no fosco.