quinta-feira, 7 de julho de 2022

Música solo, RCF




Radu Belcin



Há muitos desertos 
em um só deserto.

Mexeremos nos passos do metro 
e alargaremos
a vista áspera em direção 
aos silêncios laminados, 
com duplo corte:
de um lado o rosto do desconhecido,
de outro o caminho feito de trincheiras.

Toda solidão é um deserto, 
mas nem todo deserto é vazio:
nele há miragens redundantes e sólidas,
o esboço do abismo horizontal,
o precipício das vertigens
e o pensamento recorrentes dos répteis.





quarta-feira, 6 de julho de 2022

O lobo do homem, poema RCF


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A mirada dos lobos
logo ao nascer do dia
entranha nos apartamentos 
e nas frinchas 
do lôbrego
Provoca o caos no desjejum
Argamassa
o largo passo dos dolentes
infringe ao pensamento
a lonjura das ambições
Faz das lâminas de barbear
o corte seco do sol
ao varrer do rosto do dia
o resto de noite

Do meu jardim
vejo uma construção austríaca
e digo a mim mesmo:
aqui é minha Viena
Os passos medidos do mundo
se alargam
nas avenidas licenciosas
abertas ao desvario
trotoir de carros vagamundos
super-homens de ferro e
suas quatro patas emborrachadas
de cimento e medo
Corta-se o pão
em pedaços miúdos
e esta é a hóstia
dos que não se confessam
ao sair para o pecado do dia




domingo, 3 de julho de 2022

O matadouro, poema RCF

 






 

O respirar lento

                        das cafeteiras

                        no silêncio imóvel

                        do apartamento

                        (vapores e tardes,

                                               no feriado dos anos)

 

 

Sobreviver

                        como um pássaro

                        pousado na boca de um cão.

                        Alma seca e austera.

 

 

Vou à rua

                        Trago o peso das compras

                                    e a sugestão das vendas

                                                                                   nos olhos

                                    - tenho a esperança

                                                                       dos bois de matadouro.

 







(do livro Estrangeiro, Sette Letras, 1997)