Tanto
proíbo
os
olhos que não enxergo
meus
juízos.
Meu
coração não sente
o
que meus zelos
não
veem.
De
noite, floresto meus medos:
um
mato sem cachorro.
Planto
bananeira:
as
certezas de cabeça para baixo.
Tanto
proíbo
os
olhos que não enxergo
meus
juízos.
Meu
coração não sente
o
que meus zelos
não
veem.
De
noite, floresto meus medos:
um
mato sem cachorro.
Planto
bananeira:
as
certezas de cabeça para baixo.
Entre
os versículos
de
que mais gosto
estão
os do profeta
Carlos
que foi um anjo torto.
Os
salmos são
os
de Andrade
que
recitam o desvario
da
cidade
e a
gota de sangue
que
pinga em cada aleluia.
Meus
cânticos
são
do jardineiro
Charles
que cultivava
rosas
do mal.
O
meu Cântico dos cânticos
é o
do cantor cego:
Homero
ou Borges:
um
cantou a guerra,
outro
Ulisses sem mastro
ou
cera de abelha
para
cair na tentação
das
bibliotecas.
Minha
bíblia
é um
evangelho
segundo
João,
não
o Batista,
mas
o do Recife,
primo
de Manuel,
neto
de outro Cabral.
As
nuvens têm
quatro
paredes:
a
parede do céu,
outra
da terra,
uma
do horizonte
e
por fim a parede do tempo.
Nenhuma
nuvem
vive
fora das quatros paredes.
Ela
só escapa
das
quatro paredes
quando
chora.
O
tempo da nuvem
não
é o tempo do relógio
que
é uma nuvem presa
pelos
ponteiros.
Homem
e nuvem
muito
se parecem,
se
agitam,
mudam
de lugar
e estão
presos às quatro paredes.
As
paredes do homem
são paredes
do pensamento,
que são
infinitas
como
as bolas
que
não tem começo nem fim;
a
terra que pisa,
o
horizonte do futuro
que
se afasta
quando
dele se aproxima
e o
tempo
que
tudo esfarinha.
Meu
ar é viciado.
Sou
dependente
do
vício de mim.
Queria
a abstinência,
me
purificar de outro.
Os
vícios são circulares.
São
carrosséis
de
dependência.
Os
mesmos cavalos
rodopiantes
da obsessão.
Busco
a reabilitação
da
alegria,
que
é outro vício,
que
logo requer
aumento
de dose.
Dopado
de enganos,
procuro
a amizade
e
a literatura,
dois
fármacos
cujo
comércio é raro.
Queria
antes a frieza
dos
olhos de vidro
e
a impureza das torrentes
que
tudo iguala
na
voragem das inquisições.
Há
labaredas em mim
difíceis
de apagar:
a
combustão da verdade.
Um
dia tudo será cinzas,
até
mesmo o resto
que
pretendi me sobreviver.
Meu
fogo é fátuo
e
já abuso
da
queima das horas.
Viver
é outra
forma
de incêndio.
O
gato passeia em mim
suas
garras de retorcido tédio.
Mia
suas desavenças
com
o corpo dúctil
das
dificuldades da espécie.
Ora
está no parapeito
da
queda
–
muitos de nós nos
acostumamos
ao abismo –
ora
se aquece
no
labirinto do seu
casaco
de pelos.
Com
seus olhos de caçador,
se
cobrem de escuridão
para
se esgueirar
do
sono, das sombras e do instante.
Quatro
patas ejetam
a
mola do corpo para fugir
do
cão da morte
ou
para se espantar
do
susto da vida.
As calçadas do Leblon
se inclinam,
homens não podem
andar inclinados,
como se estivessem
com a vida inclinada.
Os homens inclinados
não têm prumo
e um homem sem prumo
é um barco ébrio à deriva.
Tenho a inclinação
para ver a vida de viés,
quando o mundo
é mais líquido.
Deve ser difícil
andar como Cristo
sobre as ondas
que são calçadas
que se movem,
Cristo devia ter
muito equilíbrio.
Um homem equilibrado
é tudo.
Meu desequilíbrio
é uma calçada
de pedras portuguesas
que me inclinam
na vida pedestre que levo.
Ao fim do percurso penso
que poderia ter
dois tamanhos para as pernas,
uma mais curta
para a beira dos edifícios
e outra mais longa
para perto do meio-fio.
Minha vida
é tão desequilibrada,
que também tenho
dois pensamentos:
um mais curto
para as coisas ordinárias
e outro mais longo
para o desequilíbrio do mundo.
Os anjos pertencem
à espécie das aves
ou ao gênero humano?
São seres voadores
ou animais bípedes?
Se são espíritos,
então por que aparecem
pairando como beija-flores?
São várias
as espécies de anjo,
como são várias
as espécies de ave.
Pode um anjo ser maior
do que seu protegido?
O anjo da guarda
das crianças
são anjos pequenos?
Um anjo pode caber no bolso,
pode ter o tamanho
de um pardal?
A Bíblia fala em doze anjos
e os classifica.
Não quero saber
da lista fabulosa
dos anjos da Bíblia,
com seis asas,
outros com duas cabeças,
uns reduzidos
e outros um pouco maior
que um homem,
pecador e ordinário.
Trago comigo meu anjo
e sei quando se alvoroça,
mexendo as asas,
inquieto, meu anjo
não me protege dos outros,
dos homens maus
e cobiçosos,
mas de mim mesmo, quando
me encontro nervoso e febril,
tomado por outro anjo,
este decaído, mundano
e infernal.
Ora pertence
aos escândalos da carne,
ora me perdoa ser débil,
de me servir da gula
do mundo
e das delícias da vida.