sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A Catedral, poema RCF



Muda, espalmada,
                  reiterativa como um terço
                  em cada hora, a Catedral é outra:
                  furtiva,
                  confessionária,
                  passante e pia.

A luz da Catedral de Brasília
                 não é luz mística.
                São caldeiras:
                as fornalhas das máquinas,
                o pequeno inferno
                dos pecadores
                que ilumina cada igreja.

Assim, crua,
               na linha dissidente
              do horizonte,
              a Catedral não é obra de arquitetura
              nem templo
              nem casa de oração.

A Catedral, na Esplanada dos Ministérios,
             é apenas repartição pública,
             prédio burocrático,
             Sé das almas expedientes.


(do livro Estrangeiro, 1997)

imagem retirada da internet: catedral de brasília

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A bússola do relógio, poema RCF



 



Para que construir novo relógio?
Em vez do ponteiro
que é uma bússola
que mostra o corte em vez do norte
que aponta o só em vez do sul
que revela a peste em vez do leste
que acusa o fim em vez do oeste,
que se faça uma hora sem ponteiro
como se a bússola do tempo
não tremesse parada na solidão,
não desabrochasse o botão
da rosa de vento da morte
e, por fim, criasse o equívoco
de uma ampulheta de cintura cerrada,
em primeiro lugar venha o fim do minuto
e depois o que se segue é inútil segundo.








(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)