quinta-feira, 3 de maio de 2018

Domício da Gama, contista e diplomata do Barão


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UM ENCONTRO QUE MUDOU A VIDA DE DOMÍCIO DA GAMA

(Do livro Domício da Gama, por Ronaldo Costa Fernandes, coleção Essencial, da Academia Brasileira de Letras, 2011)



Eça, amigo de Domício


Ponhamo-nos numa saleta de um apartamento em 1889. Um apartamento burguês, noite de verão, na Rue de Rivoli. Na bela e efervescente Paris do fim do século XIX. Dois homens conversam em volta de uma mesa de chá acompanhado de petit fours. O jovem está desconfortável, afinal não tinha ainda tanta intimidade com Paris, nem com a vida intelectual do país de Rimbaud, Baudelaire e Verlaine. O jovem ganhara a sorte grande. Tinha ingressado no jornalismo no Rio de Janeiro, na Gazeta de Notícias, até que um dia o diretor o chamou.
– É sobre algum artigo? – perguntou o rapaz.
Ferreira Júnior, no seu gabinete desarrumado, de vidros foscos, torceu o bigode. O rapaz temeu pelo pior. Fora do jornalismo não havia solução. Já tentara outros afazeres e descobriu que apenas escrevendo poderia ganhar a vida.
– Não, não é sobre nenhum artigo seu ou de ninguém.
– Então por que não me diz logo a razão de ter me chamado?
– Quero que você cubra uma exposição.
– É claro, diretor, é o que faço, é meu trabalho. Que exposição é? No centro da cidade?
– Talvez possa se considerar centro, mas não centro do Rio.
– Não é no centro do Rio?
– Não, é no centro de Paris.
E foi assim que Domício da Gama foi cobrir, como correspondente da Gazeta de Notícias, a Exposição Internacional de Paris, em 1889, ano da proclamação da nossa república. A Exposição Internacional de Paris comemorava os cem anos da Revolução Francesa. O apartamento de que falamos pertencia a Eduardo Prado, monarquista convicto, e que havia publicado poucos anos antes a obra A ilusão americana, livro vociferante contra a presença dos EUA na América Latina.
Tudo deveria ficar do modo como havia sido combinado. O jovem repórter brasileiro entregaria, em Paris, a carta do seu chefe para Eduardo Prado, apresentando-o, o que poderia significar apenas uma recomendação não levada em frente. Curiosamente, Domício percebeu que havia duas xícaras e que o bule de chá ainda estava quente. Eduardo Prado tinha uma companhia que se escondera quando ele chegara.
Mas, após a leitura da carta, Eduardo Prado tranquilizou o homem atrás da porta:
– Juca – disse Prado –, não tenhas medo: é um rapaz amigo do Araújo que chega do Rio.
O homem sai desconfiado de trás da porta e resmunga:
– Pensei que fosse algum cacete...
O jovem repórter, desenvolto, culto, simpático e envolvente cativou não apenas o dono da casa, mas também o homem que se escondera num quarto contíguo. Era o Barão do Rio Branco. O Barão havia desaparecido porque tinha medo das pessoas inconvenientes. Percebeu, contudo, que o jovem repórter era inteligente e grande conversador.
Começava aí uma das grandes e fieis amizades do Barão do Rio Branco que o fez seu secretário particular e, mais tarde, deixou o caminho pronto para que Domício o sucedesse após sua morte.

(...)