segunda-feira, 26 de junho de 2023

A peste em Vieira no Maranhão 2, RCF












            Os índios morriam tanto e com a rapidez de ave de rapina que não havia mais lugar em cemitério. Enterrava-se onde se podia. As notícias que chegavam do sertão davam conta de que se cavavam sepulturas com as próprias mãos, dada a quantidade de vítimas e a urgência de enterrar para não espargir o bicho nojento e mau da peste. 
      A cidade ficou vazia, as ruas mortas. O silêncio devastador só era quebrado por alguma ventania que assoviava nas palmeiras. O calor indigesto dominava o ar da ilha. O ar era tão denso que o suor gelatinoso pregava-se na pele. Ninguém respirava com desenvoltura e bondade, havia a sensação de que alguma porcaria vinha junto com a poeira e o ar quente que se infiltrava no pulmão. 
       Vieira mandou que os sinos da igreja da Nossa Senhora da Luz badalassem, além das horas, o horror da peste. Os quartéis se transformaram em lugar de higiene e hospedaria de moça. Limpo, arrumado, o chão varrido com os soldados, alferes e oficiais fora dos galpões para evitar que a peste, entrincheirada em frestas, desse o bote fatal.
         Omar Zahen pediu que Luciana Maquiné não o abandonasse nesses dias de peste. 
     – São tempos tenebrosos. Alá reclama seus direitos de posse e doutrina sobre os desmandos e devassidão dos costumes.
   Maquiné imaginou que a lengalenga muçulmana de Al Campelo fosse por causa da sua amizade de coito com o polidor de lentes Aloísio Matoso. 
       – Antonieta Albino foi fulminada pelas botelas e a febre corruptora.
        Ela continuava sem entender. Afinal de contas, Zahen lhe dera permissão para o amasio erótico para satisfazer seus líquidos inquietos. Ela mesma contara para Omar quem fora o escolhido. O mouro aprovara como quem aceita uma conta para pagar um tecido caro. Quando Maquiné saía com o busto mais levantado pelo corpinho, os braços saindo despudorados das mangas da camisa, os cabelos lavados, o sarraceno sabia que a mulher partia em busca do equilíbrio. 



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