sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O espelho do tempo, poema

 


 

 


 

 

 

No espelho, tudo cabe

e nada se fixa ou nele habita.

Os espelhos são malditos

porque estão cheios de fantasmas.

Fantasmas que vagaram

algum dia pelo reflexo fugidio.

O espelho inveja a foto

que tudo retém e imobiliza.

Por sua vez a foto

se ressente de variedade e vazio.

E reclama da fixidez

que deu eternidade

ao que é fluxo contínuo.

A foto é um espelho que se fixou,

o efêmero flash

que se fez memória.

A memória tem mais

de espelho que de foto,

embora as gentes queiram ver

nesses a fixação das águas do rio

como se fosse possível

um homem banhar-se

duas vezes no mesmo rio.

A memória é uma foto

que se mexe e se transforma

conforme se vê aquele

que olha para a câmera.

A câmera da memória

é volúvel, tem vários rostos,

e se movimenta como alguém

que faz caretas no tempo

diante do espelho, ou aparece,

se dilui, retorna mais velho,

e, por fim, não surge mais

sobre a superfície de vidro

como uma memória

ou espelho em que ninguém se mira.

 

 

 

 

 

 

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