sexta-feira, 5 de novembro de 2021

A peste em Vieira no Maranhão 3







        Duas pessoas perderam a cordura. Mendonça, após o período de renúncia e autoflagelação, saiu às ruas em busca da peste. Aproximou-se do engenho Margarida, onde a besta levara com um sopro dezenas de gentios. Andava pelos campos abandonados, rolava-se na terra, se via algo parecido a um resto de tecido, esfregava o trapo no corpo. Apareceu na casa anojada de Albino, devastado, procurando pelo corpo morto da amante. Queria saber onde estava enterrado, morreria vivo no mesmo túmulo. 
              O oleiro não quis mostrar onde a mulher se sepultava porque Azevedo de Mendonça podia causar um desbarato na terra e profanar o pouco que restava de Antonieta Albino. 
        Outro insano foi Gualberto, agora o Enforcado. Pegou o filho nos braços e foi visitar os hospitais. Vieira saía de um deles quando viu o rapaz inteligente que discutia com ele sobre astros e filosofia entrar numa casa dos jesuítas transformada em enfermaria de campanha. O filho de Espanhol pesava como uma criança de colo, tal a magreza só de ossos. Babava e pronunciava palavras indistintas, divertidas. 
            Vieira aproximou-se de Gualberto, acariciou a cabeça curta do pequeno, perguntou o que fazia o homem ali. Não houve resposta. O padre entendeu a desinteligência do Enforcado. Agarrou-o pelo braço, levou até a igreja Nossa Senhora da Luz, mandou dar comida e roupa ao rapaz, banho e cuidados ao adolescente menino. Uma semana depois, Vieira soube que a Gualberto Espanhol caíra vítima da peste. 





(do romance Vieira na ilha do Maranhão. Rio: 7Letras, 2019)



Nenhum comentário:

Postar um comentário