segunda-feira, 11 de abril de 2011
Maio de 68 - Correio das Artes
O que você estava fazendo em maio de 1968?
do Correio das Artes
O Correio das Artes enviou, via e-mail, uma enquête para escritores, leitores, jornalistas, artistas e intelectuais de todo o país com duas perguntas básicas: O que você estava fazendo em maio de 1968 e qual importância dos acontecimentos daquele ano para a sua formação política, cultural, ideológica e afins? Recebemos respostas de todos os recantos do Brasil (e até do exterior), com depoimentos sinceros, alguns emocionados e outros em forma de desabafo. Confira a seguir os depoimentos:
Clotilde Tavares (escritora)
Às duas horas da manhã do dia 1º de maio de 1968 eu estava no Hospital Pedro I, em Campina Grande, dando à luz o meu primeiro filho, Rômulo Tavares. Tinha 20 anos de idade, era casada, e vivia completamente à margem do mundo lá fora, aprisionada num casamento que, por isso mesmo, durou pouco.
O curioso é que, nascido em dia tão emblemático, o meu filho, na maior parte do tempo, é um homem calmo, tranqüilo, um músico talentoso e um publicitário muito criativo. Mas quando se enfronha em alguma causa, vira um visionário, igualzinho a Cohn-Bendit.
Leila Míccolis (escritora)
Eu estava no final do meu bacharelado de Direito, no Rio, Faculdade de Direito (ex-Nacional, que abrigava o famigerado CACO). Todos os dias as salas de aula eram invadidas pela DOPS, com confrontos de maior ou menor (?) gravidade com os policiais armados. O clima era de completo, inclusive com professores perseguidos, e tanques de guerra na frente da Universidade (atual UFRJ), apontados para o prédio.
O paralelismo contrastante me marcou violentamente: na França, a rebelião estudantil era aliada de outros setores sociais (inclusive o sindicato de ensino), e fazia parte de uma revolução que, embora cultural, era mais ampla (até mesmo pelo prazer), mostrando a insatisfação de quase todos os segmentos sociais com relação ao sistema político vigente. Aqui, a revolução - muito diferente - era militar, nada tinha de popular, e esmagou os principais intelectuais e estudantes do país, que ou foram mortos ou tiveram que exilar-se inclusive na França.
Tanussi Cardoso (poeta)
Em maio de 1968, contava com 22 anos. Não chegava a ser um rapaz alienado, por que minha formação cultural (poesia, romances, música, gibis...) me trazia um pouco de informação básica. Naquele ano, ingressava, por concurso, no Tribunal de Justiça do meu Estado, começava a ganhar minhas primeiras granas, meus hormônios pululavam e meu negócio mesmo era...trepar. Com o primeiro ordenado, saí da casa dos meus pais no subúrbio carioca, e fui morar com um amigo em Botafogo, Zona Sul do Rio, numa quitinete mal-falada. Se não estava deslumbrado, estava feliz com minha liberdade conquistada. Nesse mesmo ano, passei no vestibular para Jornalismo na PUC/RJ, e comecei a publicar meus primeiros poemas em jornais alternativos e revistas marginais. Fazia shows de poesia e música, conhecia novos amigos e vivia a vida sem saber muito bem do que se passava ao meu redor. Mas aos poucos as notícias da real situação do Brasil foram chegando, através dos amigos da Faculdade, principalmente. Vieram as passeatas, duas prisões sem conseqüências (nada que eu pudesse receber indenizações milionárias futuras e pensões vitalícias), notícias de amigos torturados nas cadeias, alguns que, soube depois, eram delatores, outros com seqüelas por torturas...
A conscientização veio na porrada.
Ronaldo Correia de Brito (escritor)
Em maio de 68 eu era um adolescente de 16 anos, que saíra do Crato para Fortaleza, no Ceará, com o objetivo único de prepar-me para o vestibular de medicina. Da janela do ônibus, no caminho para o cursinho, avistei muitas vezes as manifestações de estudantes em frente à Reitoria, protestos, enfrentamentos, prisões. Mas tudo passava ao largo dos meus sonhos de ser médico. Eu cantava "caminhando contra o vento", de Caetano Veloso, mas buscava o oposto da canção, um diploma.
Neide Medeiros Santos (educadora)
Em 1968, eu estava me preparando para fazer o vestibular de Letras, na antiga FURNE, em Campina Grande. Em 1969, entrei no Curso de Letras e comecei a ler Graciliano Ramos e Drummond: Vidas Secas, São Bernardo, Memórias do Cárcere e Rosa do Povo. Com o Mestre Graça, aprendi que ninguém deve ser preso ou castigado por ideologia. As leituras dos poemas de Drummond me levaram a sentir que “era noite” e que só restava esperar pela “clara manhã”.
Paulo Sérgio Cerveira (jornalista)
Em maio de 68 era um estudante de último ano de Economia na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A Faculdade ficava no prédio da antiga Reitoria da Universidade, na Praia Vermelha quase em frente ao Iate Clube do Rio de Janeiro (quanta ironia), onde funcionava o teatro de arena da Universidade, palco de muitos comícios e reuniões marcantes.
Eu era coordenador do setor de Matemática, Estatística e Econometria do CEPE - Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas do Centro Acadêmico presidido pelo Aarão Reis e depois Franklin Martins. O CEPE era chefiado por uma bela garota, a Vera. Lembra-se daquela moça que está numa cadeira de rodas na fotografia diante do avião antes da partida para Cuba? Trocados pelo embaixador americano?
Pois é, depois o viado do Gabeira, que não passava de um bicão escreve besteira em seu livro exibindo-se....
Vera era uma menina fantástica, bela e inteligente.
Minha turma tinha muito reacionário.....Mas tinha o camarada Tinoco. Tinha uns caidos do trem também, que só eram comunistas porque eram pobres e tinham raiva dos ricos...
Enquanto eu fazia um seminário na Câmara Americana de Comércio o comunista colega, ao meu lado, deixava de ser preso no Congresso de Ibiuna onde deveria estar.
Sérgio Lucena (artista plástico)
Maio de sessenta e oito, marco da historia contemporânea, por essa época eu vivi aquilo que traria para mim todos os significados que hoje constituem a base da minha consciência. Experienciei algo que, para mim, permanece como parâmetro de conteúdo e valor. Subir a grande e solitária Pedra que existe na região onde outrora vivi períodos da minha infância. Esta Pedra de aproximadamente 300 metros de altura eleva-se solitária em meio a uma vasta planície. Ela é uma constante presença num raio de pelo menos 30 kilometros de caatinga no sertão da Paraíba. Porque falar desta Pedra? Simplesmente por ela não me sair da cabeça nem do sentimento. A Pedra exercia e exerce sobre mim um fascínio. Sua altiva inteireza, sólida, firme, serena, impassível, emana um poder e uma propriedade definitiva. Foi o meu avô quem me apresentou à Pedra. A pedra e o meu avô se equivaliam. Lá de cima, se contempla um horizonte de 360 graus, longínquo, a perder de vista... Lá eu era o centro do universo. O prazer que, estando lá, eu sentia, fez com que eu me aventurasse por muitas vezes a subir a pedra só. Vi a tarde cair, a chuva ao longe, o sol em brasa a causar miragens, e tinha o vento, tão forte, tão poderoso. De lá do cume era eu quem regia o universo. Tudo isto já remonta à pelo menos quarenta anos, entretanto, neste exato momento, tudo o que disponho para apoiar os meus pés é a Pedra. Foi-se o meu avô, passaram-se os dias, os sonhos também, passaram as pessoas, as ideologias, coisas acabaram-se, mas não a pedra. Sim, foi uma época marcante aquela, me formou. Eu Sou a Pedra.
Moacyr Scliar (escritor)
Em maio de 1968 eu, jovem médico lutando pela vida, estava terminando de reunir os contos para o livro que de fato daria o impulso inicial à minha trajetória literária, "O Carnaval dos Animais" (Ed.Movimento, Porto Alegre). São histórias fantasiosas, muito influenciadas pelo realismo mágico então em voga, e que, falando de animais ferozes e devoradores, na realidade aludia à ditadura presente não só no Brasil, mas em vários países da América Latina. A rebeldia de maio dava alento à nossa própria rebeldia, ainda que naquele ano a ditadura acabasse mostrando sua força com o Ato Institucional. Mas, ao mesmo tempo, para quem era da esquerda "tradicional" ficava claro que aquela rebeldia tinha muito pouco a ver com a luta de classes no sentido marxista. Ou seja: 1968 foi um ano sofrido...
Flávio Machado (poeta)
Em 1968 estava na escola Viriato Correa, e no dia da passeata dos cem mil não houve aula, eu fiquei muito contente com essa história, era tempos de brincadeiras e cochichos dos meus pais e avós, lembro dos jornais censurados na banco de jornal em que meu avô trabalhava, lembro nitidamente das conversas sobre revistas sendo recolhidas pelo órgão de repressão, eu aprendi a ler naquela banca e de certa forma era um subversivo, sobre essa época escrevi o poema: tempo, que acaba de ficar em terceiro lugar no concurso de poesia promovido pela Universidade Federal de São João del Rey.
Bráulio Tavares (escritor)
Em maio de 1968 eu estava vivendo maio de 1968 com força. Ouvia sem parar o Sgt. Pepper’s dos Beatles, os primeiros LPs de Caetano Veloso e dos Mutantes, além de discos recém-lançados de Sidney Miller e Baden Powell. O Cine Distração, nas manhãs de sábado do Capitólio, exibia para uma platéia lotada de gente filmes como O Processo de Orson Welles e Oito e Meio de Fellini. Juntamente com Jakson e Marcos Agra, eu pegava o ônibus até Recife para ver Blow-Up de Antonioni ou Alphaville de Godard no Cinema de Arte Coliseu, em Casa Amarela. As agitações políticas do movimento estudantil me fascinavam sem me entusiasmar, mas pelo menos me induziram a deixar de lado por alguns instantes Kafka e Aldous Huxley, e dedicar algumas horas por dia a ler os jornais, para saber por que diabo Paris estava em chamas. Uma coisa interessante dessa época era que ninguém fazia livros, mostras, exibições ou festivais cujo tema fosse “1928” ou “1948”. O país inteiro não estava, como hoje, relembrando datas ou tentando resgatar uma chama perdida no passado. A melhor maneira de entender o que foi 1968 é viver 2008. Com força.
Ronaldo Costa Fernandes (escritor)
Em maio de 68, eu estava no segundo grau no colégio André Maurois, no Rio de Janeiro. Uma escola pública que aceitava a minissaia e os alunos podiam usar cabelo grande e fumar nos corredores. Pode parecer bobagem, mas na época era uma grande transformação. O momento era de forte agitação. Eu participava do movimento estudantil de forma mais "intelectual". Lia os primeiros livros sobre Marcuse, Reich, Bukarin e outros que não entendia muito mas me encantavam como Lacan. Minha cabeça era uma verdadeira mixórdia. Ao mesmo tempo, havia um divisão entre o tropicalismo, que seria um movimento anáquico-de-esquerda e Chico Buarque, que representava uma esquerda mais séria. Eram a ponta do iceberg, porque debaixo disso estava as discussões sobre uma esquerda mais libertária, a luta armada, e o conservadorismo de esquerda, o Partidão, Prestes e a não-violência. Eu tinha um processo no Dops porque eu publicara um jornalzinho estudantil que falava sobre Sousândrade, Jimi Hendrix e o movimento comunitário hippie. Como o jornal falava intencionalmente de comunidade, comunitário e comunismo, lá fui eu para a Praça XV, num edifício cinza que depois pertenceu ao Museu da Imagem e do Som e fui inquerido várias vezes para confessar onde fizera o jornal, a qual facção política de esquerda eu pertencia. Não me lembro com muita nostalgia daquele tempo.
Perilo Holanda de Lucena (engenheiro civil)
Aos dezesseis anos, aquela época de 1968, recebíamos noticias como informações. Quaisquer fatos jornalísticos publicados eram vistos como reacionários ou subversivos. A comunidade intelectual do país taxava os reacionários como "burros" e os subversivos como "inteligentes". As colunas dos jornais transformavam versos tolos, quadrinhas de pouco valor em "palavras de ordem" que emocionavam a população. Nesse ambiente, permeando, alheios a idealismos políticos, movimentos culturais REAIS eram taxados de subversivos, pelos reacionários e de inteligentes pela elite cultural do Brasil. Nós tínhamos medo de reclamar até de juiz de pelada de futebol, pois ele poderia denunciar que os peladeiros eram comunistas e estes terminariam enquadrados na lei de segurança nacional.
Vitória Lima (poeta)
O ano de 1968 inaugurou muitas novas perspectivas para mim: Logo em janeiro casei e mudei para João Pessoa, cidade que já contemplava lá do alto da Serra da Borborema com muito carinho. Era uma noite de lua cheia e acho que por isso mesmo minha vida tenha sofrido tantas mudanças e fases... Com a mudança para JP, veio também a tranferência para a FAFI, ali bem em frente ao Porteiro do Inferno. Fiz novas amizades, algumas delas guardo até hoje, e conheci alguns dos luminares da cultura paraibana, como Vitginius da Gama e Melo e Juarez da Gama Batista. Conheci também a poesia de Sérgio de Castro Pinto e de outros da Geração Sanhauá. Também dei muita carreira, fugindo da polícia, que não dava mole para estudante naqueles anos. Fui a muitas passeatas, comícios e manifestações estudantis. E também dava aulas de inglês no Yázigi, que era na Lagoa, por trás do Cassino. Naquele longínquo tempo o restaurante universitário ficava onde hoje é o Cassino. Aos sábados, ia dançar no Jantar Dançante do Cabo Branco.
Sonia Brusky (artista plástica)
Estava preparando a minha estréia em artes plásticas. Uma exposição individual que aconteceu em novembro de 68, com desenhos dramáticos, de mulheres torturadas numa alusão à ditadura. Antes disto, em maio do mesmo ano, participei de uma exposição coletiva, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com três desenhos do mesmo teor. Participei de passeatas e todos os movimentos contra a ditadura do ano de 1968, e dos anos seguintes. Com dezessete anos, já era uma lutadora. Tudo está registrado em jornais da época.
Amador Ribeiro Neto (poeta)
Em maio de 68 eu estava em Caconde, interior de S. Paulo, lendo o Pasquim. Apenas 3 exemplares chegavam à minha cidade. E era sempre comprado pelos mesmos 3 leitores: dois amigos e eu. Hoje vejo como o Pasquim foi importante para as escolhas culturais e políticas que eu viria a fazer. Na verdade, uma delas eu já fazia ao ler este semanário de humor, política e arte. Caconde era – e continua sendo – uma cidadezinha drummondiana com seus quase 20 mil habitantes. A igreja católica, que ocupa uma área de 75% do jardim principal da cidade, continua ditando as normas e os comportamentos dos cacondenses. Poder me rebelar contra isto aos 14 anos foi uma conquista que apenas quando me mudei pra S. Paulo, capital, pude dar conta de quão importante me fora. Na USP engajei-me com os grupos literários e com grupos políticos. Influenciado pelo Pasquim, nutria simpatia pelo Partido Comunista – embora me recusasse a participar de suas reuniões. E influenciado pelo Pasquim eu não somente nutria simpatia pela Anarquia como participava regularmente de suas reuniões regadas a política, artes, sexo e algum fuminho. (...) Quando a ditadura apertou seu cerco e começou a caçar meu pai – então vereador e presidente do sindicato dos trabalhadores rurais e simpatizante do Partido Comunista – , e quando ele foi cassado da vereança, tivemos de mudar de Caconde. Foi aí que meu pai me perguntou o que eu fizera com os livros de esquerda que eu tinha. E principalmente com aquele compacto do Vandré. Disse-lhe que eu os tinha escondido num buraco da parede do porão da casa de meu avô e xará, atrás de sacas de café em coco vindos do nosso sítio. Meu pai temeu pela segurança de meu avô, mas ponderou que nada mais podia ser feito. E nos mudamos de cidade. Na nova cidade eu conversava na praça pública com amigos, por volta das onze da noite, quando um caminhão que tinha a carroceria coberta por uma lona parou em frente à casa de um professor meu. Os soldados bateram, entraram e levaram meu professor de pijama e algemado. Meus amigos e eu tivemos, naquele momento, a dimensão exata das barbáries impostas pela ditadura militar. (...)
Cunha de Leiradella (escritor)
Na época, dirigia um grupo de teatro no Rio de Janeiro: o Teatro de Equipe do Estado da Guanabara. Eu tinha chegado ao Brasil em 1958, com 24 anos, e o Tudo é possível! que ecoou nas ruas de Paris, deu-me mais do que razão para continuar acreditando que valia a pena lutar pelo único bem que faz do ser humano um ser universal: a liberdade.
Rinaldo de Fernandes (escritor)
Em maio de 68 estava brincando na praça Gonçalves Dias, em São Luís, admirado com os vitrais verde-azuis da Igreja dos Remédios e com o pôr do sol sobre a baía do Bacanga. As datas, do ponto de vista histórico, são símbolos de mudanças que já vêm se tecendo no tempo. Eu tive intensa participação política como estudante nos anos 80, integrante da esquerda. O nosso imaginário, naquela época, era em boa parte calcado nas transformações ocorridas no Maio de 68. A nossa rebeldia contra a ditadura, que já ia sem fôlego, vinha em boa medida desses movimentos da juventude dos anos 60. Não sou saudosista dos anos 60 porque não os vivi. Aliás, as pessoas que viveram os anos 60 hoje são, não raro, politicamente muito conservadoras, infelizmente. Escondem-se por trás dessa confusão atual do que seja esquerda e direita. Mesmo que neste momento não consigamos decifrar o que seja um indivíduo de direita ou de esquerda, dá ainda para saber quem é conservador (quem defende o status quo) e quem é progressista nas idéias. Estamos numa certa onda conservadora, numa certa retração: na arte, na imprensa (o jornalismo talvez seja, em certos segmentos, a principal expressão do conservadorismo atual), na política, na educação, na família, que está ainda mais religiosa e aproveitada por religiosos. Estamos precisando de outro Maio de 68.
Rosângela Vieira Rocha (jornalista-escritora)
No dia primeiro de janeiro de 1968 eu cheguei a Brasília, para morar com minha irmã mais velha, que tinha acabado de se mudar. Em Inhapim, minha cidade natal, no interior de Minas, não havia segundo grau. De família pobre, para estudar eu tive de sair da casa de meus pais e não podia perder a oportunidade que minha irmã e meu cunhado me propiciaram. Logo fiz o exame de seleção (considerado, na época, um vestibular), para o CIEM - Centro Integrado do Ensino Médio, um colégio maravilhoso que existia na época, experiência pioneira da Universidade de Brasília, UnB. Lá estudaram várias pessoas que posteriormente se tornaram figuras públicas. O nível era excelente e a vivência nesse colégio modificou completamente a minha vida. Tínhamos aulas em horário integral, ouvíamos música medieval e renascentista, estudávamos Filosofia, enfim, foi um lugar onde aprendi a pensar e onde desenvolvi o meu gosto pela literatura. Líamos Cecília Meireles, Fernando Pessoa, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, entre outros. Mas não decorávamos nada, líamos para aprender a gostar de ler. O CIEM visava a formar o homem comum, o verdadeiro cidadão e, para isso, tivemos grandes mestres, que eram professores da UnB. Mais do que fazer com que o aluno conhecesse novos conteúdos, o objetivo do colégio era prepará-lo para interferir na realidade que o cercava. Lá discutíamos filmes, o que era um deslumbramento para uma jovem criada numa cidadezinha perdida do interior de Minas. Até hoje me lembro que, após assistirmos a "2001, uma odisséia no espaço", todas as aulas foram suspensas para debatermos o filme. Essa discussão foi tão vigorosa que poderia citar, com detalhes, o que foi dito na ocasião. Do CIEM acompanhei o movimento hippie, aprendi a gostar de Maria Bethania, soube da aldeia de Arcozelo, onde foi apresentada a peça "O Rei da Vela".
W. J. Solha (escritor)
Em maio de 68 eu estava participando, em Pombal - onde era subgerente da agência do Banco do Brasil - dos ensaios de minha peça "O Vermelho e o Branco", feita em cima da morte do estudante Édson Luís, ocorrida em 28 de março, no Rio, assassinato que gerou o movimento que acabou recebendo violenta reação da ditadura com o famoso AI-5, por conta do qual esse meu texto foi proibido pela censura, "por ferir a dignidade da Pátria e ser capaz de sublevar os ânimos da juventude". Ainda me lembro do esporro do Altimar Pimentel, depois da parrticipação do espetáculo - dirigido por Ariosvaldo Coqueijo (que contracenava comigo) - no festival nacional ocorrido no Santa Roza: "Como é que você me traz um panfleto desse para o meu teatro?" Dois colegas do BB foram removidos para Pombal "de castigo", pela "gloriosa". Vi amigos enterrando livros ou escondendo armas sob as telhas.Vi muito medo. Foi uma luta para impor minha barba dentro do Banco - "pois parece coisa de cubanos". A peça me gerou muitos problemas também fora da agência: eu tinha um caminhão-caçamba trabalhando no asfaltamento da BR e vi um capitão expulsá-lo no que me dizia "Não quero comunista por aqui!" No mais, acho que nunca fui considerado lá muito perigoso pelo regime. Fundamos em 69 - eu e o José Bezerra Filho - lá mesmo, em Pombal, a empresa que produziria o filme O Salário da Morte sem o menor problema. (...)
Pedro Salgueiro (escritor)
Em maio de 1968, eu, que havia nascido em 15 de novembro de 1964, não era nada mais que uma criança super feliz. Diz minha mãe que eu já brincava com minha coleção de figurinhas com personalidades muito divulgadas na época, como o Marechal Rondon, Presidente Castelo Branco, Duque de Caxias e outros mais cotados; também adorava participar, nos braços de minha mãe, claro, dos desfiles da escola e, principalmente, da festa de 7 de setembro, sempre fazendo questão de balançar minha bandeirinha verde, amarela, azul e branca. Diz ela que eu também adorava as músicas "Eu te amo, meu Brasil" e "Este é um país que vai pra frente", fato que posso confirmar, pois ainda hoje me causam comoção."
José Alves (jornalista)
Em maio de 68 eu tinha apenas 10 aninhos, era um garotinho magrinho, ainda não sabia o que era sexo, mas já tinha grandes desejos pelas musas do cinema da época como Brigite Bardot, Merilin Monroe e outras grandes musas que faziam a cabeça de todos os homens do mundo. Apesar de pequenininho e magrinho eu também já era peladeiro, tinha uma cuequinha do Flamengo e sabia que o time era de garra, e também já tinha uma certa consciência política. Fiquei revoltado com o assassinato do presidente John Keneddy, que não era um presidente racista e também tinha ódio da merda da guerra do Vietnâ que foi deflagrada a mando de algum presidente malucoe que eu não lembro qual foi. Apesar de pequenino e não ter vivenciado a época um ouvia as conversas de meus irmãos sobre a onda de contestações e revoltas dos trabalhadores sobre os regimes dominantes por toda a Europa. Sei também que no Brasil foi o período do aparecimento dos caras que sabiam fazer música de qualidade, bem diferente das de hoje que só falam em Créu....Eu tinha apenas dez aninhos, mas não era bobinho. Na época eu vivia lendo histórias em quadrinhos e gostava muito de gibis do Pato Donald e Irmãos Metralhas.
Carlos Gildemar Pontes (escritor)
Estava nos braços de minha mãe, indo para casa a pé, depois que os estudantes do Liceu do Ceará quebraram e incendiaram todos os ônibus da Praça José de Alencar. Passei a gostar mais da minha mãe, por causa do braço. E aprendi a respeitar a educação como um instrumento de transformação. Afinal, eram os estudantes que queriam um país melhor que lutavam contra a polícia e as ameaças internacionais que comandavam nosso soldadinhos governantes. Eram os estudantes que sacrificavam a juventude entre porões e covas rasas para que pudéssemos desfrutar de uma democracia depois de 40 anos. Só lamento hoje os estudantes serem tão sem horizonte, só se reúnem para ouvir o escarro da cultura de massa nas letras de forrós e funks para imbecis. E de não conhecerem um palmo de história diante do olho vesgo da desinformação.
Geraldo Lima (escritor)
Em maio de 68 eu tinha oito anos de idade e estava mergulhado no bucolismo da fazenda; fiz, nesse período,uma viagem roseana com o meu pai, levando algumas reses para a fazenda que ele havia comprado no interior de Goiás; após ir morar na cidade, continuei alienado, mergulhado na cultura de massa, lendo gibis,ouvindo rock e sendo levado, também, pelos hinos da ditadura militar, de sorte que não tinha a mínima idéia do que havia acontecido na França e muito menos ainda do que estava acontecido no Brasil.
Homero Fonseca (escritor)
Aos 16 anos, em 1964, eu tinha começado a participar do movimento estudantil secundarista em Caruaru justamente quando veio o golpe militar. Sem orientação alguma e temerosos do momento, fizemos uma assembléia geral e decidimos auto-extinguir a nossa entidade, a Uesc – União dos Estudantes Secundários de Caruaru. Após isso, recebi convite para trabalhar como redator dos jornais falados da Rádio Cultura do Nordeste, onde, alguns meses depois, passei a assinar diariamente a Crônica da Cidade. Na época, havia um mínimo de liberdade de imprensa e, no meu entusiasmo juvenil, sempre que podia criticava a situação política nacional. Em janeiro de 1965, dois capitães foram até a emissora, convocar-me para depor. Fugi para Fortaleza, para onde estava indo meu amigo Gianninni Mastroianni, cujo irmão, Giacomo, estava radicado na capital cearense como publicitário. Fui morar na pensão de dona Galdina e arrumei um emprego no jornal O Nordeste, da Arquidiocese local. Ali, com Fausto Neto e Roberto Benevides, meti-me numa polêmica pública com a TFP – Tradição, Família e Propriedade, a propósito de um show de bossa-nova promovido pelo DCE da UFCE, que a entidade de direita tachara de “comuno-janguista”. Foi quando conheci o hoje sociólogo e professor José Arlindo Soares e o então secundarista Cláudio Alencar, que, anos mais tarde, seqüestraria um avião para Cuba. Passamos a militar na IV Internacional-POR(T) – Partido Operário Revolucionário (Trotskista). Larguei o emprego e os estudos e virei um militante em tempo integral. Em 1966, peguei uma pneumonia e voltei para Caruaru, onde a repressão, pelo visto, não se lembrava mais de mim. A esta altura, estava meio esquizofrênico com aquela militância integral, afastado da vida normal e desencantado com as dissensões e com um certo fanatismo percebido entre os camaradas. Comuniquei meu desligamento do partido a Sérgio Buarque e vim para o Recife retomar os estudos. Fui convocado para o servir o Exército como recruta, em Garanhuns, em 1967 e, no ano seguinte, estava de volta ao Recife, me preparando para o vestibular de Jornalismo. Não tinha mais filiação partidária e mergulhei na contracultura, ouvindo os Beatles e Jimi Hendrix sob os eflúvios vaporosos da canabis sativa. Em 1968, participei das pequenas e grandes passeatas de protesto e levei algumas carreiras da Polícia. Tinha 20 anos. (...)
Maria Célia De Santi (pedagoga)
Estava terminando o Magistério, cheia de sonhos e propostas e intenções para mudar a Educação, fazê-la plena e acolhedora e era uma garota protegida por uma família despótica, que até achava interessante estarmos vivendo o que vivíamos....
Eu não expressava a minha revolta, até porque antes da Rota me pegar , tinha meus pais, muito próximos que me pegavam...e fui vivendo este ano, assistindo o que passava pelo mundo e secretamente invejando, ouvindo Beatles, Elis Regina, Vandré.....Era uma miscelânea tão grande....Apaixonada por um árabe, estudiosa de sua cultura, entristecida pelos preconceitos....fugindo dos policiais, e tentando entender por que o Ênio, o lindo rapaz que acalentava nosso coração com sua beleza e educação havia simplesmente desaparecido..... Amordaçada por dentro e por fora. E eu era uma brasileira muito normal...... Caladíssima!!! (...)
João de Lima (documentarista)
Na alegria de uma infância saudável estava tomando banho em alguma lagoaou riacho, ou assistindo aula na base aérea de Natal, quando frequentei uma escola para filhos de militares. Tinha 10 anos. No centro de Parnamirim, no telhado de uma casa situada na praça principal da cidade podia ver os efeitos de exercícios militares na base, com o sinal de fogo cortando os ceús em direção a algum alvo na base da aeronáutica. Esse imaginário, combinava com o Brasil que chegava via televisão, os seriados `à tarde e os festivais de música à noite. Na tv , os tropicalistas no nascedouro, a mpb. O carrosel brasileiro dos parques de diversão e sua roufenha jovem guarda. Anos depois, circulando nas ruas do Quartier Latin, em Paris, maio de 68 foi decisivo para entender que a cidade não é só monumento, mas essencialmente memória da história: Os filmes de Godard, a irreverência juvenil da quebra dos tabus, as normas de conduta civil questionadas, na vida e na arte. Entre uma esquina e outra, um café com cadeiras nas calçadas.
Pedro Américo de Farias (poeta)
Tinha acabado de chegar ao Recife, vindo do Sertão. Portador de todos os medos aos perigos do mundo, agregava mais uma enorme quantidade de medos aos cassetetes, fuzis, cachorros e serviçais da ditadura. Medos que jamais consegui exorcizar, mesmo porque ainda estão vivos e bulindo, atuando na política e adjacências, todos os que se beneficiaram da situação. Maio de 68 era "apenas um retrato na parede" utópica da mente jovem.
Juassara Salazar (escritora)
Em maio do ano de 1968 eu morava em Recife e fazia o curso primário no Colégio Vera Cruz. No colégio, àquela época, tínhamos aulas de "moral e cívica", dadas por um padre, que um dia perguntado por nós sobre o que era comunismo, respondeu numa longa sessão de rodeios: "comunismo é quando você só tem um sapato, sua família recebe só um kilo de feijão, um kilo de arroz, um kilo de não sei o quê...etc.
Fiquei surpresa, pois em minha cabeça de criança não conseguia fazer sentido que um mundo a partir de apenas "uma" coisa pudesse criar tanta polêmica. Recordo que isso ressoou em minha memória por muitos anos, até que, em minha casa, com meus pais que escutavam os discos de Caetano, Chico e tal..comecei a construir uma realidade de fato sobre o Brasil, a perceber que existia uma coisa subterrânea que era muito maior. Lia na revista Realidade sobre os hippies e uma coisa chamada contracultura e novos comportamentos, tinha os ouvidos abertos para tudo que se passava com muita curiosidade, quase intuindo, mais que avaliando de fato.
Zélia Bora (escritora)
(...) Eu aguardava ansiosa pelo Repórter Esso, às treze horas e gostava de ouvir meu tio fazer comentários interessantes sobre os fatos. Nesse dia meu tio, por alguma razão que eu desconhecia, sabia mais do que todos e eu não entendia a sua insistência diária em saber por que minha prima caçula demorava tanto para o almoço. (...) De repente meu tio ergueu-se na cadeira e me pareceu que sua expectativa naquela tarde tinha sido preenchida: A notícia de Paris em chamas pelos protestos estudantis pareceu distante para uma criança como eu, mas não para meu tio, um oficial do exército.
José Nunes (jornalista)
Do ano de 1968, quando o mundo viveu momento efervescente, principalmente partindo da juventude em mutação, nossa cidade não notou as mudanças, nem se ligou na base de agitação verificada em lugares distantes, somente tomando conhecimento das mudanças com certo atraso.Esse atraso foi motivado pela escassez de meios de comunicação em Serraria, aonde o jornal chegava com atraso, revistas somente quando alguém levava da Capital. A televisão, nem se fala. Restava o rádio, disponível para alguns.
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ganhou, entre outros, os prêmios de Revelação de Autor da APCA, o Casa de las Américas e o Guimarães Rosa. No ano de 1998, edita Terratreme, poesia, livro que recebeu o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Fundação Cultural do DF. Durante nove anos dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. É Doutor em Literatura pela UnB. Em 2000, publica o livro de poemas Andarilho, da ed. 7Letras. Em 2004, sai Eterno Passageiro (Ed. Varanda). Em 2005, pela Ed. LGE, lança o romance O viúvo, que o crítico Adelto Gonçalves chamou “de uma das primeiras obras primas da literatura brasileira do séc. XXI”. Em 2007 lançou dois livros: Manual de Tortura (Esquina da Palavra, contos, 2007) e A Ideologia do personagem brasileiro (Editora da UnB, ensaio, 2007). Em 2009, sai A máquina das mãos, poemas, publicado pela 7Letras, que ganhou o Prêmio de Poesia 2010, da Academia Brasileira de Letras. Em dezembro de 2010 lança o romance Um homem é muito pouco. Memória dos Porcos é publicado em 2012. O difícil exercício das cinzas, de 2014, é seguido pelo livro de ensaios A cidade na literatura (2016) e, mais recente, Matadouro de Vozes (2018)
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