Meu pai vive em mim.
Não sei onde se
localiza,
no meu corpo, meu pai
morto.
Há anos que trago meu
pai
como um apêndice.
Ao meio-dia meu pai está
a pino.
De madrugada,
no quarto crescente,
ando de lua,
minguando meu coração.
Depois cresci e meu pai
virou um latido rouco
numa garagem vazia.
Pai, estanca o trem do
tempo,
há chuva na estação do
meu olho,
o cão de madeira do
banco
me faz companhia fiel.
Meu pai vive em minhas
mãos,
por isso colho ausência.
Meu pai usa meus
ouvidos,
abusa dos meus olhos,
repete a mesma frase
na máquina da memória
que, enguiçada,
distorce imagem, som e o
filho.
(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)