Há também moças
em flor. Mas as moças em flor do apartamento do andar de cima são flores murchas.
Também são flores vadias. A verdadeira flor vadia é a do campo. Posta aqui, sem
tomar sol, trabalhando de pernas para o ar, as flores logo pegam doença
venérea. E doença venérea não é boa pras flores. A polícia já apareceu aqui
para conferir o jardim. A polícia queria saber se era jardim de infância. Mas
como não tinha nenhuma menor a polícia decidiu pegar um pouco de grama. A grama
que a senhora dona do estabelecimento dá pros guardas também é verde e vale uma
nota. Toda semana a polícia vem visitar o jardim de d. Sereja: as moças não
desabrocham, embora tenham pernas firmes e andem sem raízes.
Fui duas vezes lá. Pensei até que
uma delas, Marilene, deixava escapar um botão de Rosa. Eu a chamava de
Rosilene, ela ria. Ela ria mais, depois tossia. Uma tosse vadia. Não era doença
de pulmão. Os peitos de Rosilene tinham duas camélias de dar inveja a qualquer
expositor. D. Sereja cultiva pecado e doença. Por isso as flores dela não duram
muito. Ele tem que plantar outras mudas, que logo adoecem. Se não adoecem de
doença venérea, adoecem de droga.
Certa vez encontrei dr. Máximo na
floricultura de d. Sereja.
O que o senhor faz aqui?
Vim descansar.
O senhor está louco, aqui não se
descansa, o que tem mais é suor, não sente o cheiro de suor?
O cheiro de suor que eu sentia não
era cheiro de sexo. O cheiro de suor que eu sentia era cheiro de animal que
trabalha muito. O cheiro do lombo do cavalo, por exemplo. O lombo de cavalo das
meninas ficava suado e aquela exuberância de coxas e peitos era falsa como pivô
dos dentes do dr. Máximo. Elas tinham que cavalgar a tarde inteira e a noite
inteira.
Não voltei lá, é uma furada se
apaixonar por puta. Elas dormem quando você acorda, elas acordam quando você
vai dormir. D. Sereja aluga cinco apartamentos. D. Sereja também dá grama para
o síndico. E não o deixa pagar quando ele arranca as flores do pé do jardim
dela. Tenho muito grama na cabeça, às vezes me pego pensando erva daninha. Não
gosto de pensar coisas daninhas que podem apodrecer meu pensamento. Por isso evito
qualquer coisa que possa tirar seiva da minha cabeça.
(do romance
Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)