sábado, 6 de julho de 2024

Vizinhos da agonia, poema

 


 

 


 

 

Tenho vizinhos

de todas as espécies:

os domésticos e os de alvenaria.

Os da rua moram

parede a parede

com o síndico das ordenanças

e do bom convívio.

Os domésticos

costumam latir de madrugada,

são cães subalternos à lua.

Há outros que se avizinham

a meu medo,

à minha desconfiança

e não há síndico

que o ordene ou crie

o bom convívio.

Os síndicos dos vizinhos domésticos

são inferiores, turvos

e se misturam à balbúrdia do pensamento.

A vizinhança doméstica

coloca o som alto

da intolerância comigo mesmo,

arruaça meus cabelos

e minha temperança,

joga o lixo do passado

na calçada dos anos.

E nada posso fazer

senão conviver com o vizinho

dos destroços

que não me deixa sossegar.

Não posso reclamar

ao síndico pois nos convívios

tumultuosos que habitam a casa interior

da minha vizinhança espúria

sou eu mesmo meu síndico.

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Tumulto da insensatez , poema

 

 

 


 

 

Muito tumulto habita

minha solidão.

Estou cercado de muita gente

quando estou sozinho.

Alguns apontam

meus erros,

outros são solidários ao engano.

Não adianta o burburinho

dos inocentes.

A solidão é barulhenta,

meus mortos me infestam.

Nada mais tumultuoso

quando os mortos

me fazem companhia.

A derrota

– que é aparentada da solidão –

também é tão densa

que parece ter corpo próprio.

Sai da minha solidão

e anda pelas ruas

exibindo minhas ruínas.

Procuro me abrigar

dos dias solitários

e do outro lado do confessionário

se encontra a batina da insensatez.

 

 

 

 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

O corpo da cidade, poema

 


 

 


 

 

 

Meu corpo é formando

por duas cidades

como Salvador, São Luís:

a cidade baixa dos instintos

e a cidade alta da razão.

Mas há dias

que a cidade alta se convulsiona,

e a cidade baixa é segura e regrada.

Em outros, as duas cidades

se misturam, principalmente

quando há tempestades pelo ar,

que é outra cidade acima das cidades.

Chove então a desrazão,

desregula-se o instinto baixo,

inundam-se os becos e vielas

dos meus pensamentos de cidade alta.

Cria-se um desgoverno

e os altos e baixos de mim

se revoltam na cidade

da razão despudorada.