Entrevista ao jornal O Estado do Maranhão ao ganhar o prêmio ABL de Poesia 2010, cujo júri foi composto por Ledo Ivo, Afonso Arinos de Melo Franco e Alberto da Costa e Silva. A máquina das mãos é o quinto livro de Ronaldo, editado pela editora 7Letras em 2009.
P: O que você pensa da produção poética hoje em dia?
É uma coisa curiosa, hoje temos uma diversidade enorme de propostas poéticas. Em nenhuma outra época houve tamanha variedade de opções. Desde o modernismo brasileiro que não existe um cânone fixo e indiscutível como foram as manifestações poéticas no passado. Basta verificar-se os estilos de época – Barroco, Neoclassicismo, Romantismo, etc. – para se observar que os poetas seguiam cânones estabelecidos por defensores ardorosos das novas estéticas que propunham por intermédio de textos teóricos ou mesmo textos criativos o estabelecimento de parâmetros a serem cumpridos. O problema, é óbvio, não é a falta ou multiplicação de manifestos a estabelecer uma norma comum, um procedimento a ser seguido. Pelo contrário, durante a vanguarda europeia desde os anos 10 do século passado até hoje, o que se viu, predominantemente no meio do século 20, foi a explosão de manifestos e diversificação de gurus e de condutas poéticas que tentavam impor-se e negavam quem lhes fosse diferente.
P: Então você acredita que hoje é válida qualquer maneira de escrever poesia?
Existe uma dispersão e ao mesmo tempo uma busca, em cada autor, para se individualizar, isso é muito bom. Mas, com tanta variedade estilística se pode observar alguns comportamentos generalizados sobre a prática poética.
P: Existiria um cânone?
Os cânones sempre existirão. Não tenho preconceito contra o cânone. E se poderia escrever um livro inteiro a favor e outro contra o cânone. O que hoje é novo, amanhã é cânone. Repare bem, hoje mesmo existe um cânone. Não falo de escritores consagrados, nem de Cabral ou Drummond, falo dos vivos e novos que pensam estar inventando o que já foi inventado.
Então, ainda que exista uma variedade tão díspare de comportamento estilístico, observa-se que certos procedimentos como uso do prosaico, a linguagem de duplo sentido oriunda muitas vezes da publicidade, a abolição das formas fixas, entre outras características, compõem o novo código. Colocaram-se sob suspeita as verdades retóricas e foi introduzida a crítica da própria atividade poética. Acentuaram-se a ironia e a descrença numa leitura da realidade que coincidiu – ou é fruto do mesmo fenômeno social – com uma descrença das grandes verdades político-filosóficas.
P: E a oposição entre poesia e meios de comunicação de massa?
Não se há de temer qualquer veículo, já que estes apenas se apresentam como material de condução e, momentânea ou permanentemente, podem fazer parte da poesia. Nada é desprezível no mundo da comunicação de massas. Tudo vale a pena, se a poesia não é pequena. A poesia não sofrerá nenhum dano. Por ter sido sempre um meio de expressão a que poucos tinham acesso, a poesia continua a permanecer marginal no mundo do capital.
P: Antes se falava que não se lia tanta poesia porque a poesia tinha ficado hermética. Mas hoje, com expressões mais simples, o uso da internet para divulgar a poesia, qual a razão de o consumo de poesia ser tão baixo?
Creio que, em parte, pela especificidade da poesia, seu caráter condensado. Por mais claro e direto que o poema seja, ele sempre será uma transgressão da linguagem corrente. A percepção poética não é cognição ordinária como a apreensão da linguagem das imagens. A linguagem poética trabalha em seu cerne com uma sensibilidade leitora distinta da sensibilidade das artes visuais, por exemplo.
P: O que faz um poema permanecer?
O ato poético obviamente sofre as injunções da história. Ora prevaleceu a estrita observância ao mecanicismo e ao ato de construção, seu maneirismo e a mestria em operar com formas fixas. Contudo, ao longo da história da poesia, observa-se que apenas se mantiveram os poemas que tinham algo a dizer. Permaneceram os poemas onde o poético intrinsecamente falando estava mais contido e denso dentro dos poemas. E mais ainda, permaneceram os poemas que tratavam da condição humana. Pois o início e fim de tudo vêm a ser o homem e sua experiência existencial.
Estabelecer o cerne do poético e sua transcendência é o que me parece mais adstrito a uma leitura crítica apurada e que possa contribuir para o estabelecimento de poetas e poemas que tenham sua transcendência.
P: A poesia é necessária?
Acredita-se que a mais antiga linguagem literária tinha algo de mito e de religiosidade. Creio que o poético perpassa o cotidiano das pessoas e que elas têm necessidade dele. A primeira afirmação de que qualquer um está aberto ao poético, bom ou mau expresso, é a construção metafórica que a própria língua cria e utiliza por intermédio de metáforas e metonímias, até se tornaram de uso comum e o falante da língua não perceber que em cinco frases utilizou material poético. É claro que o uso ao longo do tempo fabricou o lugar-comum, perdendo um dos elementos mais importantes do poético: o inusitado.
P: Qual estética você defende?
Defendo a boa poesia de um Nauro Machado e José Chagas, a renovação de um Luís Augusto Cassas e Paulo Melo e Souza.
Agora queria deixar um lembrete mais para os poetas do Sul, os marginais dos anos 70 que hoje estão cinquentões ou os que louvam o grafismo. Não há nada novo no front, alguns procedimentos já de uso de décadas são apresentados com alarde, embora já tenham uma existência centenária. Creio que a busca do essencial seja uma das propostas à sobrevivência do poético. O essencial estaria nas dobras do espelho do tempo, ter consciência de que sempre se caminha no território do transitório, mas aponta para o ontológico em forma poética.
Qualquer que seja a expressão ou grupo a que o poeta esteja ligado o importante é que o bom poema a gente reconhece logo.
(imagens retiradas da internet: escher)