sábado, 18 de junho de 2022

O contágio de vida (italiano) Tradução de Manuela Colombro


Andrey Remnev - Expulsion from paradise





Il contagio della vita


Nessuno è immune dalla vita.
La vita è altamente contagiosa.
Si devono evitare gli assembramenti
come stadi di football o spettacoli
dove la vita si moltiplica,
dove la vita è moltitudine.
Non c’è rimedio contro la vita.
In certi momenti di pace,
lei si espande
come virus vitale
o tumore di felicità.
Non c’è tregua – al contrario –,
né prevenzione o misura sanitaria.
Lei stessa pare immolarsi
al sonno, al benessere eccessivo
e sopravvive molto bene
in ambienti puliti e sterilizzati.
Nulla si può fare contro la vita.
Se non ammalarsene,
viziarsene, assuefarsi
ai suoi sintomi.



.


Tradução de Manuela Colombo


O contágio da vida


Ninguém está livre da vida.
A vida é altamente contagiosa.
Há de se evitar as aglomerações
como estádios de futebol ou shows
onde a vida se multiplica,
onde a vida é multidão.
Não há remédio contra a vida.
Em certos momentos de paz,
ela se espalha
como vírus vital
ou tumor de felicidade.
Não há repouso – pelo contrário –,
prevenção ou medida sanitária.
Ela mesma parece vitimar-se
do sono, do bem estar abundante
e sobrevive muito forte
em ambientes limpos e higienizados.
Nada se pode fazer contra a vida.
Senão adoecer-se dela,
viciar-se nela, acostumar-se
com seus sintomas.









(do  livro Memória dos porcos, 2012)



A imagem em arabesco, poema RCF









Todas as informações do mundo desabam sobre mim.
Minha caixa postal tem o código do mundo
e notícias dramáticas como telegrama
digitam o horror em imagens viscosas.

Todo o mundo cabe nos meus dedos
e meu coração está engordurado 
de vítimas tensas.
Os arabescos das minhas mesquitas
de equívocos,
os traços telegráficos 
da minha sinagoga de descrenças.

Leitor de mim, não me noticio,
não me informo,
três vezes execrado 
em todas as línguas escravas
escondido entre as teclas mulçumanas
da minha pequenez
que sempre me lê ao revés.





(do livro Matadouro de vozes. Rio: 7Letras, 2018)

sexta-feira, 17 de junho de 2022

A invenção do passado, novo livro.

 


 

 

 


 

 

Sou apenas personagem

de um sonho do qual nunca sairei.

E mesmo acordado,

repetirei as mesmas histórias

que chamarei de passado.

Ao nascer sonhei que nasci,

mas ao morrer

se apagarão todas as minhas ações

e os outros as lembrarão

como sonhos que tiveram

com um personagem

chamado Ronaldo Costa Fernandes.



(do livro A invenção do passado. Rio: 7Letras, 2022)

quinta-feira, 16 de junho de 2022

O papel de cada um, poema de Matadouro de Vozes

 


 

 


 

 

 

Nem todo papel

tem o mesmo peso.

Os papéis do divórcio

têm a gramatura descabelada.

O quilo do atestado de óbito

é áspero e melancólico.

 

A saliva da máquina me azeita.

Guardo a fome na despensa.

A roda do desejo ainda me saliva.

 

A largura do mínimo.

Trago minhas opiniões,

evaporo minhas ideais,

e o que me resta são cinzas.

 

Minha pele, o papel do meu corpo,

se destitui do tempo.

 

 

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Águas, poema RCF

 




 

Lara Zaukoul

 

 

 

 

Submeto-me

ao sentimento de pertencer

a duas espécies distintas:

o homem que submerge

e outro sufocado de ar.

 

Não sei se ando enforcado

ou se mergulho em mim,

onde só há água revolta,

profundidades obscuras

e peixes que jamais

viram a luz do sol.

 

Meu nado

é um verbo para nada.

Atravesso de uma margem

a outra o rio subterrâneo

dos meus lençóis d’água.

 

Afogo-me na época da seca

no pó dos caminhos errados

e na aridez dos convívios,

no leito vazio,

na poeira do tempo.

 

As piscinas

são metonímias

de represa,

sem o perigo

das comportas,

que oprimem, cessam,

coalham,

interrompem a natureza

dos rios,

sugerem a queda

manipulada e autoritária.

 

Sei dos meus rios,

das minhas piscinas

de interrupções e

redundâncias,

da pasmaceira

de pensamentos redundantes,

das marés vazantes de humores

e da lua

que vigia antes que ilumina.







 

domingo, 12 de junho de 2022

A natureza das coisas


REGBIT1: #ILUSTRAÇÃO SURREAIS ´polonês RAFAL OLBINSKI




Tudo se apequena
e se ilha,
no coágulo dos meus olhos.

Tudo é natureza:
o móvel se agita no escuro,
o tapete vegeta sua grama,
as paredes gemem brancuras,
as cadeiras coaxam.
Meu pensamento saliva quedas d’água.


(Matadouro de vozes, 2018)