sexta-feira, 5 de julho de 2019

El animal barbado, poema em espanhol RCF




Este animal que se rasura
como quien raspa la oreja del cerdo
para el plato del domingo,
este animal feroz y matutino,
como un autorretrato,
con sus ojos 3 x 4,
observa el paisaje desde la ventana
y al otro lado del cristal
está él mismo,
es él el paisaje que envejece
cada vez que la visita.
Este hombre al espejo,
cuchilla de martirios y angustias violáceas,
afeita su minuto y su muerte,
exasperada y afilada servidumbre,
la conciencia espumosa de la pequeña guillotina.


(del libro Eterno Passageiro, Ed. Varanda, Brasília, 2004)





O animal barbado

Este animal que se rasura
como quem raspa a orelha do porco
para a feijoada de fim de semana,
este animal feroz e matutino,
como um auto-retrato,
com seus olhos 3 x 4 ,
observa a paisagem da janela
e do outro lado do vidro
está ele mesmo,
é ele a paisagem que envelhece
cada vez que a frequenta.
Este homem ao espelho,
gilete de martírios e angústias violáceas,
barbeia seu minuto e sua morte,
exasperada e afiada servidão,
a consciência espumosa da pequena guilhotina.


(do livro Eterno Passageiro, Ed. Varanda, Brasília, 2004)


 
Tradução Alícia Silvestre e alunos de pós-gradução da UnB

domingo, 30 de junho de 2019

A seringueira, poema RCF



A seringueira sangra,
cortada nos pulsos,
o sangue branco do látex.
Pelotões desavergonhados
sem ordem nem progresso
– a imagem dos homens-rãs
submergidos na umidade verde.

Suor de ouro
na epiderme
da terra doente.
Floresta grega:
a medusa dos galhos,
o jogo dos espelhos verdes,
o enigma das árvores mudas:
o homem, um animal planta
ou
uma planta animal?
o coro fatal dos fazendeiros.

Os bichos piam
pio pio pio pio pio pio pio
– a floresta geme – ,
o vento mesmo, nos matos,
se esgueira como quem
passa por porta estreita,
à noite, em volta da fogueira,
a chama exclama.

Os olhos insones da coruja,
o balé da suçuarana,
a caricatura do macaco
no traço dos galhos.

Os caminhos bíblicos da floresta,
trilhas tortuosas
que vão dar no lugar certo.
Não há dia nem noite na floresta
mas um longo tempo florestal:
eterno, um tempo antes da criação.
Santo Agostinho perguntou:
– O que fazia Deus antes da criação?

A incerteza do chão
que se move com as cobras
– medo não é o veneno,
mas o chão, serapilheira,
                         e falta aos pés.


imagem retirada da internet: serigueira