quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Ecossistema, poema

 


 

 

 


 

 

Em mim, são as vozes

que se repetem,

o sistema de ecos

que me habitam

ou me florestam.

As vozes dos outros

no habitat da infância,

dos córregos da juventude

e no silêncio dos mortos

como uma parede

num quarto que ninguém habita.

 

Os ecos que são olhos d’água

e minam as fontes do prazer e da dor

e se tornam pororocas

na conflagração dos rios

que continuam a fluir

na correnteza dos anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Dissolução, poema RCF






Não percebo fuga,
escape ou ladrão que me transborde.
Estou aprendendo a lição de casa,
tão difícil quanto qualquer lição da rua.
Não direi mais presente.
Quando vier a chamada direi futuro.
Refazer a ginástica:
pegar a própria barra para ascender.
Sou como os jardins que são florestas mansas
controladas por mão arquiteta,
na planta de papel vegetal,
na lobotomia da poda
ou no choque elétrico do cortador de grama.





(do livro Eterno passageiro. Brasília: Varanda, 2004)

imagem retirada da internet:miró

domingo, 11 de fevereiro de 2024

A nervura das fotos, poema

 


 

 




 



 

Que diálogo haverá

entre o que está na foto

e o outro que me mira?

Toda uma vida

não cabe

no tempo celular das fotos.

A máquina que me desbasta

os cabelos da memória

e cria um deserto de fauna humana

é a máquina zero do tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

A inquietude, poema

 




 

 

 

 

 

A inquietude se hospeda

em quartos separados entre ímpares

que não tenham pares.

Hospedo vários sentimentos

na mesma habitação

registrada no livro das horas.

 

O check-in começa

logo ao acordar

e não dou baixa

de ser meu hospedeiro.

 

O serviço de quarto

não atende à voracidade

da imaginação passageira.

 

Há uma piscina

onde nadam desejos submarinos

em meio ao cômodo.

 

De vez em quando,

a banheira submerge

os incômodos do not disturb.

 

Todos têm o mesmo abajur lilás

e o leito ambulatório

do hospital dos intermitentes.

 

Os mais jovens saem mais secos

pelos líquidos que deixaram impressos

na folha de algodão.

 

Famílias se burburinham

na farândola da vacância.

E homens de negócio

investem seu tempo

no memorial das horas tortas.

 

Todos os corredores são lentos

e enganam os sentidos.