terça-feira, 28 de julho de 2020

Jomar Moraes escreve sobre lançamento Memória dos Porcos







HOJE É DIA DE
JOMAR MORAES


Nestes nossos tempinhos esquálidos, de extrema e irresponsável banalização da palavra escritor, empregada sem qualquer senso de peso ou medida como qualificativo de qualquer lheguelhé que se dê ao desfrute de escrevinhar um livreco, é fato muito auspicioso o lançamento literário de amanhã, a partir das 19 horas, na Academia Maranhense de Letras, que está festejando os 104 anos de sua fundação com noites de autógrafos de gente da Casa, como aconteceu na véspera do dia 10. Nessa data, como é sabido, nasceu nas matas de Jatobá, então município de Caxias, o menino Antônio, que um dia seria, para sempre, Gonçalves Dias, o poeta que se encantou no reino dos mares maranhões, mas não morreu jamais, nem jamais poderia morrer, por força de ser quem foi. Ele mesmo, em carta a seu maior amigo da vida inteira, Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, afirmou enfaticamente, desmentindo a falsa notícia de sua morte: “É mentira: não morri! nem morro, nem hei de morrer nunca mais.” E nessa epístola, repetiu uma passagem das Epístolas de Horácio: "Non omnis moriar”.
Corrijo o pequeno desrumo que esta conversa tomou, consignando que na quinta-feira última realizou-se na Academia o concorridíssimo lançamento do livro de Joaquim Haickel, intitulado “Contos, crônicas, poemas & outras palavras”, trabalho sobre o qual já deixei meu testemunho nos umbrais do dito cujo, e que reitero, realçando e ressaltando os talentos múltiplos do fazedor de coisas Joaquim Haickel, um incansável promotor cultural que a Academia em muito boa hora elegeu para seus quadros.
Tal como na última quinta-feira, na quinta-feira próxima, amanhã, também a partir das 19 horas, outra noite festiva realizará a Academia, para o lançamento do livro de poemas "Memórias dos porcos", do escritor e acadêmico Ronaldo Costa Fernandes, maranhense que atualmente reside em Brasília, onde, pelo brilhantismo de sua militância literária, representa condignamente as altas e centenárias tradições de cultura e inteligência do Maranhão.
Reitero que o lançamento de amanhã na Academia é um acontecimento literário importante e merece ser prestigiado pelos que tenham apreço à literatura. Ronaldo Costa Fernandes é um escritor na verdadeira acepção da palavra. Autêntico homem de letras, que, ao contrário de lançar mão do recurso fácil do instintivo e da improvisação, buscou, sistemática e conscientemente, fazer o seu aprendizado do ofício de escrever, chegando hoje a ser, por tal motivo, o que geralmente se convencionou classificar na categoria, rara, por sinal, de oficial de seu ofício. Ronaldo colocou a serviço de seu talento poliédrico uma formação literária sólida e marcada pela inteireza e completude que procura suprir desvãos e descontinuidades. Fez, a serviço desse objetivo maior, sua graduação e suas pós-graduações, todas sempre substanciadas e enriquecidas pelo fazer literário, desde os trabalhos que escreveu e que, a despeito de premiados, destruiu, por exigências de uma rigorosa autocrítica. Escritor pluritalentoso, Ronaldo Costa Fernandes está absolutamente à vontade nas variadas formas de expressão literária, em todas e em cada uma das quais alcança excelentes resultados. Romancista, quando se dispôs a estrear, disse logo ao que vinha, com “João Rama e suas andanças nas maldições do encantado”, seguindo-se “Retratos falados”, “Concerto para flauta e martelo”, e “O morto solidário”, prêmio em 1990 da Casa de las Américas e primeiramente editado em Cuba no ano de 1991, romance do qual tivemos a edição brasileira era 1998, seguindo-se-lhe “O viúvo”, e a este, “Um homem é muito pouco”, romance denso, não porque seja volumoso, mas em razão de sua carpintaria complexa. Obra de fina engenharia literária, sem concessões nem atalhos fáceis. Por outras palavras: obra de escritor para escritores, representativa da virtuosidade de seu autor, não apenas um doutor em literatura, que para ele seria muito pouco, mas um douto em literatura. Prossegue a bibliografia ronaldiana: ainda no campo da ficção, a novela “O ladrão de cartas”, editada em 1981 como volume 323 da Coleção Vera Cruz, da Civilização Brasileira, e o livro de contos “Manual de tortura”, com o qual Ronaldo se completa como prosador. Um mestre do romance, da novela e do conto.
E também mestre nas artes da poesia, como o comprovam estes livros de poemas: “Terratreme”, “Andarilho”, “Eterno passageiro”, “A máquina da mãos” e “Memórias dos porcos”, a ser lançado amanhã.
Numa demonstração de que Ronaldo faz com maestria sua multifacetada obra, mais um título. E este, comprobatório de que, além de fazer muito bem seu trabalho de escritor, possui plena consciência do que faz e por que faz: o livro de ensaio literário “O narrador do romance”, um compêndio que deixa muito bem patente a inegável competência literária de seu autor.
Fiz questão de enumerar título a título a bibliografia de Ronaldo Costa Fernandes, como tentativa de contribuir para o melhor conhecimento, por parte dos maranhenses, da obra desse conterrâneo muito mais conhecido e sobretudo reconhecido fora do que em sua terra natal, situação que se deve, em parte, à circunstância de Ronaldo viver, desde muito cedo, fora de São Luís: no Rio de Janeiro, durante a fase infanto-juvenil, onde fez sua formação principal; depois, por cerca de sete anos, na Venezuela, como diretor do Centro de Estudos Brasileiros em Caracas; e desde há alguns anos trabalha e reside em Brasília. Também o ensimesmamento de Ronaldo, não devido a pretensão, mas a timidez, responde por considerável parcela de seu  desconhecimento entre nós.
Ressalto, finalmente, que a multifacetada e numerosa bibliografia de Ronaldo Costa Fernandes, iniciada em 1979, com o livro de estreia “João Rama”, atesta a constância de seu fazer literário, exercido como permanente compromisso com sua vocação verdadeira e irrenunciável.