Os trapos da garoa
não cobrem nem despem
o amor andarilho das putas.
Que caminho seguem as pernas
redundantes
das putas?
A vitrine holandesa das gôndolas das calçadas.
Só a noite é pudica,
com seu véu de sombras.
Os postes amarelando a noite.
Os carros passam trotando os pneus
As mulheres, espantalhos na plantação das calçadas,
atraem os corvos de patas redondas.
A perspectiva triste
dos mitos assombrados.
A língua tremelicando,
obscena, ofídica.
A noite é suave
– rude são os punhais.
Os punhais dos nervos excitados
no veículo solitário.
Os punhais de dois corpos
na obrigação hormonal.
Estreita a lua na vaguidão das árvores.
No bosque, drops e gilete:
a vida cortante como o vento das esquinas.
Subir uma escada sem degraus,
a cada lance um passo atrás.
Escuro e atônito, o medo lajeta nas têmporas.
Ri de si mesmo – o medo não se esvai,
é obsessivo e circular como sangue nas veias.
Não é sorriso. O perigo de falar com lâminas na boca.
Afiado é o gozo.
E os quatro gumes na arma branca das braguilhas
Em preto e branco, na noite,
as cores baças escondem
as estrias da vida.
O medo é melado.
Todos os quartos se movem como automóveis
e o gemido buzina, vaca vulgar,
a vida escorre entre as pernas.
Por fim é dia.
A claridade fixa como película
o desgaste noturno.
De dia não há nuanças e o passageiro
desaparece sem dar lugar ao eterno.
(Estrangeiro. Rio: 7Letras, 1997)