sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Rio preguiça, poema Matadouro de vozes




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O rio sobe nas árvores 
com suas garras de lentidão 
e seus olhos cheios d’água. 

A preguiça serpenteia 
a blandície das águas, 
quase é uma lagoa 
se não lhe escapam mãos.

O bicho pertence a uma época
quando não havia velocidade 
rumo ou destino ruidoso, 
tudo era fantasia de espaços, 
a maré contida por pelos, 
a morosidade dos braços d’água. 
O rio preguiça 
não se captura, 
flui em seu esforço pluvial 
de espécie a ser extinta: 
a podridão dos ossos 
e o rio a subir o arvoredo do homem.




(Matadouro de vozes, 2018, 7Letras)





quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Terra nostra, poema RCF

 



 

 

 

Teus rios são feitos de água

mais intestina: a água da terra

revolta que se move num

enorme estômago de areia,

barro e água, um tempero

que nem franceses, nem portugueses,

muito menos holandeses,

puderam acalmar na azia dos tempos.

Tenho em mim um bumba-meu-boi

numa caixinha de música:

a cabeça roda os pinos e os brincantes

bêbados se apresentam mambembes

no pátio da casa do desembargador.

Com os anos, rolei mundo,

esta outra caixa sem música,

que vai silenciando a memória,

e os casarões de pé direito alto

arquitetaram saudades e fotos

nos azulejos da infância

que se despregam fácil

e são substituídos

                        por outros falsos:

são gente de outra época

que se prega na parede dos dias.

Meu patrimônio são duas peças de roupa:

uma de marinheiro

com que posei, na fotografia, de órfão

e outra de índio

para um eterno carnaval

em que ia contra a corrente

de gente e versos,

que são correntes de gosto

e compostas de vazio e tombamento.

Tenho quatrocentos motivos

para ser uma cidade

em constante viagem,

sem paradeiro que a sossegue

e sem destino que a cumpra.