sábado, 6 de outubro de 2018

Bola de gude, poema RCF



O jogo de bola de gude
com sua constelação de estrelas redondas,
cada buraco negro
era uma galáxia
que engolia
sob o sequestro da gravidade
a estrela que tinha entre os dedos.
O menino mirava o jogo
e a vida era o jogo.
Difícil era acertar
o rumo da vida,
que é outro tipo de estrela redonda,
pois se recusa a entrar
nas casas que a esperam.
E o que resta é ficar
trombando, bola com bola,
casa ou búlica,
e o eterno choque de cabeças que rolam.

(ilustração: "Bola de meia, bola de gude", de Gabriel Ferreira, 2007)

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O homem olha o Mondego, poema RCF

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Alguns rios me banham: Bacanga e Anil.
Meu corpo está cheio de rios:
minhas veias são rios vermelhos
que desembocam no mar do meu coração.
Os rios se instalam em mim
e em mim me danam, lanhando
por dentro meu corpo, linfáticos e
cheio de incertezas, onde habitam
passado e história, dor e escuridão.
Há rios em mim que desconheço
sua foz, sua embocadura,
de onde nascem, para onde vão.
O pior rio é o da mente
que flui sem margens,
desordenado e com várias águas,
águas desiguais e turvas.
Há rios em mim que nunca supus ter.
Meu pensamento é um rio seco
mas pleno de correnteza e afogamento.




(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Ciúme, poema RCF



Os relógios de goma arábica,
os telefones sem bocal,
os risos ao longe – de que falariam eles?

                                  os papéis amassados das dúvidas,
                                  o silêncio das escutas.



(Andarilho, 2000)
 

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O ovo, poema RCF





Antes da casca opaca,
invólucro, embalagem de supermercado,
design italiano,
o ovo, útero de casca,
desenha no ar,
geômetra, a linha oval
de sua existência circular.




(do livro Terratreme, Secretaria de Cultura do DF, 1998)

(imagem pelo em ovo)

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Terra marítima, poema RCF

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No imenso mar de nada,
de plantações de águas secas,
lá escorre a trilha inexata
dos navegantes desbravadores de trilhas
abrindo caminho onde caminho não há
como a quilha do navio
que faz a rota na resistência mole
da estrada de água,
inaugurando a cada viagem
a trilha possível e sempre renovada
– uma metáfora contínua
da estrada e do estradeiro
que só existem
quando um desbrava o outro.



(do livro Terratreme, Brasília, Secretaria de Cultura do DF, 1998)

imagem retirada da internet: razzi16
 
 

domingo, 30 de setembro de 2018

Prisão, Carlos Machado



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Hora da revista
no pátio das mulheres

A guarda armada berra
lá de cima:
– Quem aqui é a mulher de Ló?

E todas gritam,
inclusive aquela que pergunta:
– Sou eu.




(do livro A mulher de Ló. São Paulo: Patuá, 2018)