quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A corista, Tchékhov

Dias atrás mandei chamar a governanta dos meus filhos, Iúlia Vassílievna, ao meu gabinete. Precisávamos acertar as contas.
– Sente-se, Iúlia Vassílievna! – eu disse. – Vamos acertar nossas contas. A senhora provavelmente necessita de dinheiro, mas tem cerimônia demais para pedir… Vamos lá. Nós combinamos trinta rublos por mês…
 Quarenta…
– Não, trinta… Eu tenho aqui escrito… Eu sempre paguei trinta para as governantas… Então, a senhora ficou aqui dois meses…
– Dois meses e cinco dias…
– Dois meses exatos… Eu tenho aqui anotado. Portanto, a senhora tem a receber sessenta rublos… Temos que descontar nove domingos… pois a senhora não estudou com Kólia nos domingos, somente passearam… e houve ainda três feriados…
Iúlia Vassílievna ficou vermelha e começou a repuxar os babadinhos de sua roupa, mas não disse uma só palavra…
– Três feriados… Consequentemente, vamos tirar doze rublos… Durante quatro dias Kólia ficou doente e não teve aulas… A senhora estudou só com Vária… Três dias a senhora teve dor de dente e minha esposa permitiu que a senhora não desse aula depois do almoço… Doze mais sete – dezenove. Subtraindo, restam… hum… 41 rublos. Certo?
O olho esquerdo de Iúlia Vassílievna ficou vermelho e cheio d’água. Seu queixo tremeu. Ela deu uma tossida nervosa, assoou o nariz, mas nem uma palavra!
– Na véspera de ano-novo a senhora quebrou uma xícara de chá e um pires. Vamos tirar dois rublos… A xícara custa mais do que isso, era herança de família, mas… deixa pra lá! Não vamos fazer questão disso! Adiante: devido à sua falta de atenção, Kólia subiu numa árvore e rasgou seu casaquinho. Vamos tirar dez… A arrumadeira, também devido à sua falta de atenção, roubou umas botinas de Vária. A senhora deveria cuidar de tudo. É para isso que recebe um salário. Então, vamos tirar mais cinco… No dia sete de janeiro a senhora pegou adiantado comigo dez rublos…
– Eu não peguei! – sussurrou Iúlia Vassílievna.
– Mas eu tenho aqui anotado!
– Então, está bem… Que seja.
– De 41 vamos subtrair 27 – restam catorze.
Os dois olhos de Iúlia Vassílievna encheram-se de lágrimas… No seu belo e alongado narizinho apareceram gotas de suor. Pobre menina!
– Eu só peguei uma vez – disse ela com voz trêmula. – Peguei com a sua esposa três rublos… Não peguei mais…
– É mesmo? Ora, mas isso não está anotado! Tirando três de catorze, sobram onze… Aqui está o seu dinheiro, caríssima! Três… três… três… um… um… Tenha a bondade de receber!
E lhe entreguei onze rublos… Ela pegou o dinheiro e com os dedinhos tremendo meteu-o no bolso.
 Merci – sussurrou ela. Levantei-me de um salto e comecei a caminhar pelo gabinete. Estava indignado.
 Merci por quê? – perguntei.
– Pelo dinheiro…
– Mas eu a roubei, com os diabos, eu a assaltei! Acabei de roubá-la! Por que merci?
– Nos outros lugares eles não pagavam nada…
– Não pagavam? Então não é de se estranhar! Eu estava brincando com a senhora, estava lhe dando uma lição cruel… Vou lhe pagar todos os oitenta rublos! Estão aqui preparados, neste envelope! Mas é possível ser assim tão pateta? Por que a senhora não protesta? Por que fica calada? Será que neste mundo é possível não ser atrevido? É possível ser tão palerma?
Ela deu um sorriso azedo e eu li no seu rosto: “É possível!”.
Pedi desculpas pela cruel lição e, para sua grande surpresa, entreguei-lhe todos os oitenta rublos. Ela disse um merci tímido e saiu… Fiquei olhando quando ela se afastava e pensei: “Como é fácil ser poderoso neste mundo!”

19 de fevereiro de 1883


(in A corista & outras histórias, L&PM POCKET)