sábado, 15 de agosto de 2015

Antropogeografia, de Raimundo Lopes

Raimundo Lopes ao dezessete anos


É dele O torrão maranhense, um dos primeiros livros sobre a geografia da região. Livro escrito ainda em sua vida juvenil. Publica-o em 1916. Mais tarde, começam a aparecer no Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, os capítulos do que viriam compor o volume Uma região tropical, livro que a inteligência luminosa de Joaquim Itapary chamou de “obra rara, que enriquece e valoriza como poucos a bibliografia maranhense”. Nesse livro estão o homem e seu meio, as questões sociais, econômicas e históricas. “Uma região tropical” é uma extensão e aprofundamento do livro inicial. É dele ainda a condenação das queimadas, sua consciência ecológica tão moderna que o faz nosso contemporâneo e até mesmo visionário ao escrever em “Uma região tropical”: “Como em todo o país, a formação das culturas parte da abusiva usança das queimadas, que fazem arder, num dia, trechos valiosos de florestas esplêndidas. Anda-se pelo interior e, à beira das veredas, de repente, abre-se o claro de uma roça, com pedaços de troncos carbonizados pelo chão. Os fazedores de desertos continuam a incendiar florestas, e tudo está muito bem...”

            Raimundo Lopes é pioneiro na descoberta de sambaquis, chamados pelos caboclos de estearias ou cacarias, no vale do rio Pindaré, que remontavam há dois mil anos a.C. Esta descoberta transforma Raimundo Lopes num desbravador e, feito inédito, aponta em terras americanas as primeiras habitações lacustres no continente. Assim como é dele também a importante descoberta do Sambaqui da Maiobinha, que foi classificada como sítio de alta relevância por órgão federal por demais conhecido na área do patrimônio.

            Trabalhou mais tarde no Museu Nacional. Na década de 30, passou a dar aulas na Rádio MEC sobre geografia, o que resultou no livro Antropogeografia – suas origens, seu objeto, seu campo de estudo e tendências”. Anotando suas palestras transmitidas pela Rádio Ministério da Educação, Raimundo Lopes, ainda no leito de hospital, chega a ditar antes do coma final, apresentação à matéria do que seria seu livro Antropogeografia, volume em que o autor alarga suas pesquisas e amplia sua inteligência científica para questões antropológicas de cunho universal, embora em cada capítulo tenha reservado espaço para observações sobre seu país.

            Membro da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, Raimundo Lopes sempre será lembrado como o sábio que estudou a vida do homem maranhense, sua formação humana, seu meio físico, seu solo e sua geografia, sua antropologia e sua arqueologia.

            Morre em 1941, depois de uma vida de ensino e pesquisa. Uma vida dedicada ao entendimento da história e geografia maranhenses não feitas pelos vultos ou por acidentes famosos, mas pela pesquisa minudente do passado do homem maranhense.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A homenagem a Salinas devida


    
                   Adelto Gonçalves (*)
     I
 A Voz a Ti Devida/La Voz a Ti Debida, um dos melhores livros de poesia de Pedro Salinas (1891-1951), está desde agosto de 2012 no mercado brasileiro em edição bilíngue castelhano-portuguesa, graças aos esforços de José Jeronymo Rivera (1933), que se tem destacado como um dos grandes tradutores das poesias espanhola e francesa para a Língua Portuguesa. Lançado pela Thesaurus Editora, de Brasília, a edição traz um extenso e elucidativo ensaio à guisa de prefácio, “Pedro Salinas e La Voz a Ti Debida”, de autoria do escritor e professor José Antonio Pérez-Montoro, assessor cultural da Embaixada da Espanha em Brasília e tradutor de autores brasileiros para o espanhol, além de apresentação do poeta João Carlos Taveira, notícias biobibliográficas do autor e do tradutor e texto de contracapa do poeta Anderson Braga Horta.
 Para quem desconhece a história da Literatura Espanhola, é preciso que se diga que Salinas fez parte da Geração de 27, que inclui, entre outros, Rafael Alberti (1902-1999), Jorge Guillén (1893-1984), Luis Cernuda (1902-1963), Vicente Aleixandre (1898-1984) e Federico García Lorca (1898-1936), o mais famoso deles. E que A Voz a Ti Devida é o seu título mais conhecido, sendo considerado o melhor livro de poesia amorosa do século XX da Literatura Espanhola, na opinião de muitos estudiosos. Esta bela tradução, portanto, é uma homenagem que as letras brasileiras deviam à memória de Salinas e à Literatura Espanhola.
 Graduado em Direito, Letras e Filosofia, Salinas dedicou-se à docência universitária. De 1914 a 1917, atuou como leitor de Espanhol na Sorbonne, em Paris, onde se doutorou em Letras. De sua afinidade com a cultura francesa resultou a vontade de traduzir para o espanhol Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust (1871-1922), tarefa que não chegou a concluir, tendo vertido alguns volumes.
 Depois, Salinas ensinou na Universidade de Sevilha e, em 1922-23, em Cambridge.  Passou para a Universidade de Múrcia e, em seguida, para a de Madri. A guerra civil espanhola o obrigou a mudar-se para os Estados Unidos, onde passou a lecionar na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Em 1943, transferiu-se para a Universidade de Porto Rico, mas reassumiu mais tarde a cátedra na Johns Hopkins. Morreu em Boston e está sepultado em San Juan de Puerto Rico.
     II
 A Voz a Ti Devida é um poema longo e unitário e não uma antologia de 70 poemas, como se pode supor a princípio. Inclusive, na Espanha, houve uma edição póstuma da obra completa do autor que trouxe alguns poemas deste livro com títulos, o que nunca foi a intenção do poeta.
 É preciso que se diga também que Salinas é um poeta modernista, na acepção espanhola do termo, o que não corresponde à brasileira. Está ligado à Belle Époque e, no Brasil, o seu fazer poético corresponde ao Parnasianismo e ao Simbolismo, o que nada tem a ver com Mário de Andrade (1893-1945) e seus modernistas. Mesmo assim, a sua poesia já se apresenta livre das amarras da rima, embora siga a métrica, para manter o cômputo silábico, como observa José Antonio Pérez-Montoro no estudo introdutório.
 Trata-se, portanto, de um poeta ao mesmo tempo clássico e moderno, como ressalta na apresentação João Carlos Taveira, lembrando que o poema A Voz a Ti Devida é quase todo construído em versos de seis sílabas e redondilha maior, com pouquíssima utilização da métrica decassilábica. Aqui, ao contrário do que fez em outros livros, Salinas nunca recorre ao verso livre. Eis aqui um exemplo da poesia de Salinas, exatamente a parte final do poema, na tradução bem medida de José Jeronymo Rivera:
   (...) Ouves como elas pedem realidades,
   elas, descabeladas, feras,
   elas, as sombras que nós dois forjamos
   neste tão grande leito de distâncias?
   Cansados já de infinitude e tempo
   sem medida, do anônimo, feridas
   por imensa saudade de matéria,
   pedem limites, dias, nomes.
   Não podem
   viver assim, não mais; estão à beira
   do desmaiar das sombras, que é o nada.
   Acode, vem comigo.
   Estende as mãos, estende-lhes teu corpo.
   Os dois lhe buscaremos
   uma, uma data, um peito, um sol.
   Que descansem em ti, sê tu sua carne.
   Calmar-se-á seu grande ansiar errante,
   Enquanto ávidamente
   as estreitamos entre os corpos nossos
   onde encontrem seu pasto e seu repouso.
   E dormirão enfim em nosso sono
   abraçado, abraçadas. E assim logo   ,
   ao separar-nos, ao nutrir-nos só
   de sombras, em distâncias,
   elas
   terão lembranças já, terão passado
   de carne e osso,
   o tempo que viveram dentro em nós.
   E seu sono afanoso
   de sombras, outra vez, será o retorno
   a esta rósea e mortal corporeidade
   onde inventa o amor seu infinito.
     III
 Quem compulsa a tradução e o original pode enganosamente atribuir ao tradutor neste caso um trabalho fácil. É que Salinas não é um poeta rebuscado; pelo contrário, busca a singeleza como ideal. Por isso, encontrou em Rivera um “poeta disfrazado de traductor”, na perfeita definição de Pérez-Montoro, ou seja, o interlocutor certo não só pelo conhecimento que tem da língua espanhola como pelo respeito que devota à sintaxe original.
 Como bem observa o poeta Anderson Braga Horta, Rivera tem dado uma contribuição inestimável ao enriquecimento das letras nacionais com criações originais de outras línguas, como é bom exemplo a tradução que fez de Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand (1807-1841). Sem contar as versões que fez do português para o castelhano, algumas já publicadas em Poetas Portugueses y Brasileños de los Simbolistas a los Modernistas, obra organizada pelo professor José Augusto Seabra (1937-2004), ao tempo em que era embaixador de Portugal em Buenos Aires, publicada pelo Instituto Camões. Traduziu também poemas do belga Émile Verhaeren (1855-1916), de quem tem previsto para ao prelo a versão de Les Heurs. Traduziu ainda o clássico Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer (1836-1870).
 Engenheiro, economista e administrador, Rivera foi professor universitário e de ensino médio. É membro da Academia de Letras de Brasília. De sua lavra, publicou Aprendizado de poesia: 1951-1953 (Brasília: Thesaurus Editora).
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A VOZ A TI DEVIDA, de Pedro Salinas. Tradução de José Jeronymo Rivera. Brasília: Thesaurus Editora, 2012, 208 págs. E-mail: editor@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br
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(*) Adelto Gonçalves, mestre em Letras na área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Os manuscritos de Kafka vão para Israel


Kafka por Andy Wharol



Milhares de manuscritos de Franz Kafka (1883-1924), autor imprescindível do século 20, poderão ser conhecidos pela primeira vez após uma recente decisão judicial israelense que segue um longo caminho de fugas, paixões, heranças, promessas, segredos e cofres ocultos.
Assim que for executada a sentença ditada no fim de semana passado pelo Tribunal de Família do Distrito de Tel Aviv, o legado do amigo íntimo de Kafka - o escritor e compositor judeu Max Brod - será em breve transferido de mãos privadas para a Biblioteca Nacional de Israel, onde estará acessível para pesquisadores do mundo todo.
Porém, a execução pode se prolongar durante anos se os até agora proprietários do tesouro literário resolverem apelar a uma corte superior, como seus advogados advertiram que farão.
O autor judeu nascido em Praga publicou poucos de seus trabalhos em vida, mas, anos antes de morrer, entregou seus textos, cartas, anotações e esboços a seu amigo Brod, não sem antes fazê-lo prometer que os queimaria após sua morte.
Felizmente, para os amantes da leitura e para dezenas de autores influenciados por Kafka, como Albert Camus e Jorge Luis Borges, Brod não cumpriu sua promessa e publicou o que rapidamente se transformaram em obras-primas da literatura, como "O Processo" e "A Metamorfose".
Fugindo de Praga por conta do avanço dos nazistas, Brod emigrou em 1939 para a Palestina sob protetorado britânico e, antes de morrer em 1968, entregou os manuscritos de Kafka e milhares de documentos e correspondências à sua secretária e amante, Esther Hoffe.
Em seu testamento, pediu que com a morte de Esther, os papéis fossem levados a um arquivo público "em Israel ou no exterior".
Hoffe morreu faz cinco anos com 102 anos de idade, o que gerou uma batalha judicial entre as autoridades culturais israelenses e suas duas filhas, Eva Hoffe e Ruth Wiesler (falecida há poucos meses).
"Brod lhe entregou o legado só para que o tivesse em vida, suas filhas não podiam herdá-lo", explicou à Agência Efe o professor Hagai Ben Shamai, diretor acadêmico da Biblioteca Nacional de Israel, que considera que joias literárias dessa relevância "não podem permanecer em domínio privado".
Para ele, o fato de Brod trazer os documentos para Israel e de que os dois amigos eram judeus é uma clara prova de que pertencem ao público israelense e que devem ficar no país.
Há dois anos, outra sentença judicial israelense obrigou às irmãs a abrir cinco cofres de um banco em Tel Aviv e outro em Zurique (Suíça), que guardavam milhares de páginas.
Além do material que foi classificado então, os analistas desconhecem que outros documentos podem estar nas mãos das famílias Hoffe e Wiesler.
Alguns especialistas acham que pode haver mais cofres ocultos e mantêm a esperança de que exista alguma obra inédita no enorme legado de Kafka.
Eva Hoffe nunca permitiu às autoridades entrar em seu apartamento, onde vive "com 50 gatos e cinco cachorros que convivem com Kafka", disse à Efe o advogado da Biblioteca Nacional, Meir Heller.
Shamai acredita que no legado de Brod "não existe nenhum trabalho de Kafka que não tenha sido publicado antes", embora admitisse não saber com certeza "o que exatamente há nessa casa".
Uma vez recolhido, restaurado, estudado e classificado, o arquivo de Brod, explica, será "a joia" da Biblioteca Nacional.
Durante os cinco anos de luta pelos valiosos documentos, as irmãs Hoffe contaram com o apoio do Arquivo de Literatura Alemã da cidade de Marbach, que no passado comprou de Esther Hoffe vários manuscritos, entre eles o original de "O Processo".
Heller garantiu à Efe que seu próximo passo será reivindicar ao arquivo alemão os documentos, cuja venda considera ilegítima.
"Os alemães acham que os escritos fazem parte da cultura alemã, por estarem em idioma alemão, mas nós consideramos que são parte da cultura judaica e que devem permanecer no Estado judeu", concluiu Shamai.



(fonte:uol)

domingo, 9 de agosto de 2015

Biblioteca de Fernando Pessoa



Fabio Coutinho anuncia:

"Os livros da Biblioteca Particular de Fernando Pessoa estão disponíveis
gratuitamente online no site da Casa Fernando Pessoa.
Até agora, só uma visita à Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, permitia
consultar este acervo, que é riquíssimo. Com o site, bilíngue
(português e inglês) e disponível em
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
em qualquer lugar do mundo, com
uma ligação à Internet, é possível consultar, página a página, os cerca de
1140 volumes da biblioteca, mais as anotações - incluindo poemas - que
Fernando Pessoa foi fazendo nas páginas dos livros."

(imagem  F.Pessoa jogando xadrez)