segunda-feira, 8 de maio de 2017

Concerto barroco, Alejo Carpentier




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(do livro A cidade na literatura e outros ensaios, 2016)



Alejo Carpentier, nascido em Havana, Cuba, em 1904, é um dos autores mais emblemáticos da literatura hispano-americana do século XX. Criador do “realismo maravilhoso”, que não é o mesmo “realismo mágico” de García Márquez, Carpentier produziu, relativamente a outros autores de sua época, obra pouco extensa de títulos, mas títulos que são marcantes e transformadores da literatura de língua espanhola. O “real maravilhoso”, apresentado por Carpentier no prefácio de O reino deste mundo, representa que a realidade mesmo na América Latina não precisa de exageros já que ela por si própria é fabulosa. No “realismo mágico”, há uma “particular forma de percepção e expressão estética dessa realidade” (Pedro Luiz Barcia), em que o autor se apropria de uma leitura do imaginário popular sobre a dita realidade empírica. Da mesma maneira, o fantástico e o maravilhoso são outras categorias diferentes do realismo mágico e do real maravilhoso.
Jornalista, publicitário (criador do moderno rádio e publicidade venezuelanos), musicólogo e pensador da cultura popular cubana, Alejo acabou a vida como embaixador de Fidel Castro em Paris, onde morreu em 1980. Figura estelar de uma geração primorosa que nos deu o poeta Lezama Lima, que não teve a mesma sorte de uma embaixada e viveu anônimo no casco histórico de Havana na era castrista, já famoso fora de Cuba pelo seu romance Paradiso. Carpentier, cuja obra maior é o volumoso O século das luzes, tem fascinação pelo passado e, principalmente, pelo período da Revolução Francesa e seus ecos em Cuba no Haiti. Sobre o Haiti, escreveu No reino deste mundo, em que os negros haitianos depuseram os colonizadores franceses, mas instituíram as mesmas práticas e até a moda do colonizador aristocrático como o uso de perucas brancas e rostos empoados. Em O século das luzes, a Revolução Francesa chega a Havana, com todas as conseqüências e adaptações desse transplante do ideário libertário em terras do Novo Mundo.
Concerto barroco (1974) passa-se principalmente em Veneza, no século XVIII, quando Vivaldi apresenta a ópera cujo tema é a conquista do México pelos espanhóis e escandaliza o personagem principal, nobre mexicano, encantado pela música, que vê o libreto ser distorcido no palco. “De fábulas alimenta-se a Grande História, não se esqueça disso. Fábula parece o que é nosso às pessoas daqui da Europa porque estas perderam o senso do fabuloso. Chamam de fabuloso tudo o que é remoto, irracional, situado no ontem.” Mas a novela não apresenta apenas o tema preferido de Carpentier, ou seja, o confronto de dois mundos, ou ainda melhor, a complementaridade antagônica de dois mundos, o Novo e o Velho Continente. Carpentier, além do seu real maravilhoso é também representante maior do neobarroco, com sua convulsionada e retórica “proliferação” (Severo Sarduy) de termos assemelhados e descrições retorcidas que, em outro autor, redundaria em tédio e que no mestre cubano se mostra perícia e deleite. Dir-se- ia que nos outros livros, Carpentier tentou mostrou o reflexo da Europa nas Américas. Agora, no movimento inverso, o cubano leva a barroca América espanhola para a Veneza de todos os sons.
Alejo Carpentier constrói nesta novela uma ária, música de câmara, embora relate a feitura e exibição de uma ópera de Vivaldi. Termina com um moderno e dissonante trompete de Louis Armstrong, já que o negro (outra paixão de Alejo, a cultura negra cubana) que acompanha o aristocrata mexicano agora assiste a uma sessão de jazz deslocada no tempo e na narrativa. É um livro como poucos ainda podem fazer sem deixar de ser mais que atual. Um livro bem escrito, em todos os sentidos, que dá gosto de ler até mesmo pela frase bem torneada como uma harmonia/desarmonia barroca. Concerto barroco reúne algumas das principais características da obra do cubano Alejo. Carpentier é um dos fundadores da nova literatura de língua espanhola. É o tipo de escritor que cria linhagens e deixou marcas portentosas na cultura da Hispano-América. (RCF)