Por que não falas na tua última conferência?
Por que não gesticulas?
Tu, que te movias alvoroçado
como as pás de um motor
– desligado, apenas a promessa de nau;
acionado, o furor dos pensamentos
em redemoinho.
Tu, gigante leve,
andavas mais perto das nuvens,
ao acreditar que a poesia era mitologia.
Que mito parou tua máquina de poetar?
Que mito grego ou moderno
inventou tua morte?
Este não é o velório que querias,
sem a digressão do morto
– o morto é digressivo,
ou melhor, os que comparecem
são digressivos como tu eras,
mesmo que sejam variações
sobre o mesmo tema: a cerimônia da morte.
Recitas com voz ausente
– nunca entendi por que sussurravas
tuas poesias, tu, que não tinhas timbre de câmara,
mas música napoleônica, sinfonia de som,
fúria e delicadeza.
Tu, que tinhas dentro de ti
o mar que trouxeste do Rio.
Este mar convulso, tenso,
exaurido, de dióxido de carbono.
Vem, acaba teu último poema,
posto sobre a mesa do escritório,
e escreve que morrer é uma pena
que não escreve versos
e que agora só tens a entregar
aos amigos o corpo silencioso de morto,
na esperança segura de que teus poemas inéditos,
animais silvestres aprisionados,
soltos sem dono, possam sobreviver.
Tu, morto, és teu último poema,
inacabado, contudo, jamais esquecido
no fundo da gaveta final.