quinta-feira, 15 de julho de 2021

Varal dos sonhos, poema RCF



 



Depois da chuvarada,
os passarinhos vieram quarar as asas
no varal do fio de alta tensão.
Ali ficaram pendurados
como roupas de asas,
sob o sol morno da vida.

Os morcegos, ao contrário,
se penduram no trapézio
do forro e dormem invertidos
como minha alma ao forro do dia.

À noite, acordados,
vêm voar nas vigas dos meus pesadelos
e transformar o que é forro
em fio de alta tensão.





terça-feira, 13 de julho de 2021

O deserto, poema RCF






E vai o deserto comendo terra fértil
alargando sua plantação de grãos,
seu pasto de areia,
sua colonização de secos,
seu plantio de nada.
Na vastidão igual do arenoso,
erosão das águas e do vento,
o deserto – qual mercúrio no rio –
vai tomando o espírito
e cobre de areia tudo:
os móveis, a louça, as roupas
– bate nas janelas
com seu ô de casa
farinhento
e, por fim, atinge o ânimo
que se esmirra, granula-se,
erode e avança a cada dia
dois palmos de vazio
que é a medida do pasmo
e o metro dos absenteístas.




(do livro Terratreme, Brasília, Secretaria de Cultura do DF, 1998)