terça-feira, 23 de julho de 2019

A hora ausente, poema RCF




A moenda dos dias tritura o que já é bagaço.
É muito tarde para inventar a hora e a vida.
Sem rosto,
não me encontro em nada que faço.
Não sei se chego ou se estou de partida.

Não tenho ilusão
a respeito da hora ausente
nem lamento
o fardo afiado da lucidez.
Aqui fico, espectador,
a vida passa,
recolho minhas dores civis,
conclusão: fui o fazedor que nada fez.




(do livro Estrangeiro. Rio: Sette Letras, 1997)



imagem: otto dix

domingo, 21 de julho de 2019

A torre e o abismo





Aqui estaremos seguros da vida.
Nada nos atingirá – nem falésia
nem miséria nem a ambição dos homens.

Mais tarde subiremos à torre
e de lá olharemos os homens
e diremos que não fugimos
ao pasmo do abismo,
apenas preferimos o risco do silêncio.



(do livro Eterno passageiro, Ed. Varanda, 2004)