A SAGA DA
IMIGRAÇÃO ITALIANA NA PENA COMPROMETIDA DE MORICONI
Ronaldo Costa Fernandes
Ronaldo Costa Fernandes
O grosso da imigração italiana ao
Brasil se estende de 1880 a 1930.Ela inicia-se logo após a unificação da Itália
(1861), quando não se havia sedimentado de todo o sentimento de nação e a
identidade nacional comportava várias culturas regionais. Da parte da Itália, já são por demais sabidas
as causas da imigração: a economia abalada pelas guerras de independência e
unificação, superpopulação, desemprego, fome e o fechamento da entrada de novos
imigrantes italianos nos EUA que era o principal destino da grande leva de
europeus.
O pico da imigração italiana
coincide com a publicação deste livro de Ubaldo A. Moriconi. Católicos e
brancos, os italianos eram imigrantes preferenciais, segundo a aspiração de
eugenia, expressa ou subjacente à ideologia preponderante no Brasil.
A
imigração italiana não ganhou unanimidade. Mesmo na Itália, avanços e
retrocessos travaram uma luta surda que mexia com a autoestima do povo. A
classe dominante temia perder mão de obra e abrir-se uma supervalorização das
terras. Diante do quadro de abandono e miséria, muitos optaram por construir a
América. Armadores genoveses, por exemplo, eram a favor de que seus
compatriotas buscassem melhores oportunidades de trabalho, renda e posse de
terra num país, ora apresentado como inamistoso, ora acolhedor e terra da
promissão.
Em
1888, o governo italiano promulga a lei da liberdade de emigração ou de fazer
emigrar contingente significativo do povo. Só em 1901, depois de protestos e de
manifestações contra a condição dos pobres italianos em terras estrangeiras, o
governo aprova lei que especifica e dá as diretrizes para regulamentar as ações
dos agentes migratórios e a criação do Comissariado da Emigração.
Mais
liberal que outros países europeus em relação à migração, a Itália precaveu-se
apenas duas vezes. Entre março de 1889 e julho de 1893, em consequência da
epidemia de febre amarela que grassava em nosso país; e de setembro de 1893 a
maio de 1894, alegando a guerra civil no Rio Grande do Sul, destino final de
grande número de imigrantes italianos.
Moriconi
não é o único italiano que escreve sobre o Brasil dessa época. Alfonso
Lomonaco, com o livro “Al Brasile” (1889),
e Ferruccio Macola, com o volume “L’Europa
alla conquista dell’America Latina“ (1894), o acompanham na aventura de
escrever e pretensamente descrever o Brasil que se lhes descortina diante de
seus olhos europeus.
Para
Lomonaco, seus conterrâneos exerciam ofícios menores e laboriosos. Reclama que
até mesmo os negros libertos se recusavam a trabalhar nessas labutas humildes e
degradantes. Acusa, contudo, uma falta de união entre seus patrícios, o que
contribui para a exploração de mão de obra dos imigrantes italianos. E, ainda
como bom aluno da escola taineana da influência da raça, do meio e clima,
registra que esta última não é propícia aos estrangeiros, além de ser daninha à
índole dos italianos.
Já
Macola era um conservador político, irrequieto e provocador. Conde, jornalista
(aos 23 anos era diretor do periódico Secolo
XIX), nascido no Vêneto, encara a imigração à América Latina como um projeto
colonial. Viajou ao Brasil como deputado com o propósito de testemunhar a emigração
italiana in loco. Antes aliado de
Crespi, desligou-se do primeiro-ministro. Aporta no Brasil em 1883. Acusa o
governo italiano de ser inoperante na questão de organizar o fluxo migratório
para o Brasil.
Em
meados da década de 1880, duas sociedades representantes dos interesses imigratórios
disputavam a primazia e proposta sobre o tema. A Sociedade Central de Imigração,
orquestrada por dois grandes nomes (Alfredo d”Escragnole Taunay e André
Rebouças), por intermédio de vários expedientes, entre eles um jornal mensário,
era contra a imigração massiva subvencionada. Desejavam uma imigração seletiva,
com vista à criação de uma pequena e média classe de proprietários camponeses.
Já a paulista Sociedade Promotora de Imigração estava mais interessada pela mão
de obra para as lavouras. O certo é que o governo central utilizou-se de ambos
os propósitos, ou seja, ao mesmo tempo em que provia de mão de obra o campo,
promovia e incentivava a propriedade produtiva oriunda dos imigrantes mais
habilitados.
Entre
1885 e 1894, o fluxo imigratório está em seu nível mais elevado. E para tanto o
governo nacional utilizava-se das agências de captação de imigrantes. Pagava-se
por cabeça, além de subsidiar transporte e propaganda aliciadora na origem do
imigrante. Contudo, de 1896 até 1897, restringiu-se ao Estado de São Paulo a
importação de imigrantes. Assim Lazzarini, em seu livro “Campagne Venetto ed Emigrazione di Massa” (1866-1900), observa que
“as facilidades (de modo particular, a viagem gratuita) tiveram a função de
tornar concretamente realizável o êxodo em massa do Vêneto”. São os anos de
ouro. Em 1892, existiam 30 agências e 5 172 subagentes trabalhando no
agenciamento de grandes levas de italianos para o Brasil.
A emigração do ponto de vista da Itália
Vista por muitos como a solução para diminuir a pressão social (Moriconi mesmo fala em avanço das ideias socialistas), a questão emigratória não tinha consenso na Itália. Grande parte dos proprietários temia a escassez de mão de obra e a valorização da terra. Categorias trabalhistas também participavam do debate e utilizavam sua força de pressão. Os armadores genoveses, cujos navios serviam à massa emigratória, apoiavam as medidas do governo que impulsionavam seus negócios. É de 1888, como assinalamos, contudo, a primeira lei que normatiza o livre exercício do fluxo emigratório. E logo em 1889, como aqui já foi apontado, devido à epidemia de febre amarela, o governo italiano coibirá a emigração para o Brasil, medida que, dois anos depois, será alterada (17 de julho de 1891). Em 1902, a Itália proíbe a emigração subsidiada. Coincidentemente, comenta Angelo Trento (Do outro lado do Atlântico. São Paulo: Nobel, 1989), “num período em que os Estados Unidos haviam demonstrado ser capazes de absorver sem problemas grandes cotas de nossa mão de obra”.
A emigração do ponto de vista da Itália
Vista por muitos como a solução para diminuir a pressão social (Moriconi mesmo fala em avanço das ideias socialistas), a questão emigratória não tinha consenso na Itália. Grande parte dos proprietários temia a escassez de mão de obra e a valorização da terra. Categorias trabalhistas também participavam do debate e utilizavam sua força de pressão. Os armadores genoveses, cujos navios serviam à massa emigratória, apoiavam as medidas do governo que impulsionavam seus negócios. É de 1888, como assinalamos, contudo, a primeira lei que normatiza o livre exercício do fluxo emigratório. E logo em 1889, como aqui já foi apontado, devido à epidemia de febre amarela, o governo italiano coibirá a emigração para o Brasil, medida que, dois anos depois, será alterada (17 de julho de 1891). Em 1902, a Itália proíbe a emigração subsidiada. Coincidentemente, comenta Angelo Trento (Do outro lado do Atlântico. São Paulo: Nobel, 1989), “num período em que os Estados Unidos haviam demonstrado ser capazes de absorver sem problemas grandes cotas de nossa mão de obra”.
Curiosa
também a observação sobre a origem da emigração italiana dentro do próprio país.
Vênetos e friulanos e, ainda em menor número, mas significativa, a presença da
Lombardia, configuram as regiões dos italianos das primeiras grandes levas que
aportam aqui. A Emília e a Toscana, entre 1887 e 1902, também têm sua
representatividade nesse fenômeno. Os do sul da Itália viriam para os grandes
centros urbanos, enquanto os acima assinalados miravam o sul do Brasil,
principalmente alojando-se no campo. A Sardenha tem número aproximado a zero e
a explicação dos estudiosos é que o isolamento e a ausência de tradição em
emigrar resultavam nesse contingente minguado. Já os oriundos da Sicília, da
Romanha e Marcas não gozavam de boa imagem; pelo contrário, eram vistos como
arruaceiros e rebeldes. Franzoni (Franzoni, A. Pel Decoro del Nome Italiano in America, Milano, 1901, citado por
Trento) afirma: “Os fazendeiros, criados na época da escravidão, não podem
tolerar os altivos calabreses: querem um colono humilde, servil, submisso; e
parece que encontram nos vênetos o que eles procuram.”
E
Moriconi também aponta:
“Hoje,
quase todos os vapores que partem para o Brasil com carregamento de emigrantes
italianos têm o contingente mais forte formado por vênetos, enquanto antes o
formavam os meridionais. Porém, desde a época em que o Governo Federal do
Brasil abandonou o serviço de imigração aos Estados Unidos, muitos destes
proibiram a imigração turca e napolitana, compreendendo nesta última categoria
todos os italianos das províncias meridionais.”
A
destinação dos italianos era para o campo no Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e Paraná. Em São Paulo, para as fazendas de café ou para os centros urbanos,
notadamente a capital. Outros dois estados também acolheram os imigrantes:
Minas Gerais e Espírito Santo. E o Distrito Federal. Para o Rio de Janeiro
convergiam os oriundos da Cosenza, Potenza e Salerno. Nápoles, Caserta e
Calábria também engrossaram o fluxo para a capital do país, geralmente
exercendo o comércio ambulante de peixes, aves, legumes, frutas, vassouras,
jornais e mercadorias diversas e miúdas. Alia-se a estas atividades as de
engraxate, amolador, sapateiro, barbeiro, marceneiro, enfim uma gama grande de
ofícios manuais. Mais tarde, o que não é o propósito deste prefácio, apareceram
jornalistas, artistas e maestros, mas essa é outra história e a perspectiva do
século XX, enquanto estamos nos atendo somente ao período sobre o qual escreve Moriconi.
Apenso
ao projeto de esvaziamento da panela de pressão social que o desemprego e a
miséria provocavam na Itália combalida, existia também o objetivo de criar no
ultramar uma colônia italiana que servisse de consumidora dos bens produzidos
em sua pátria de origem. A Itália imaginava que pudesse haver uma expansão
comercial com a criação de novos e cativos mercados, principalmente nas
exportações para o Brasil.
O
certo é que esse projeto comercial não deu certo senão nos primeiros anos. Logo
os imigrantes trocavam a importação de produtos italianos por aqueles
produzidos aqui mesmo. Não contava a Itália que o fluxo de exportação carecia
de mecanismos confiáveis, além do precário sistema de transporte.
Havia
entre os defensores da emigração italiana aqueles que advogavam por uma partida
de italianos mais bem educados, técnicos que assumiriam cargos diretivos nas
fábricas brasileiras e assim poderiam privilegiar os produtos italianos. Esse
era um esboço atrapalhado de um neocolonialismo e/ou expansionismo que via nas
relações comerciais a possível dependência entre os dois mundos: a Europa
produtora e a América Latina dependente e consumidora.
Destino: São Paulo
O maior contingente de emigrantes italianos se dirige a São Paulo. “Dos quatro milhões de estrangeiros entrados no Brasil entre 1886 e 1934, 56% foram absorvidos por essa região” (HOLLOWAY, T. H. Immigrantts on the land: Coffee and society in São Paulo 1886-1934, Chapel Hill, 1980, citado por Trento). Se, contudo, restringe-se a estatística aos períodos de 1887 e 1902, que é mais próximo ao tema deste livro, teremos o percentual de 63,5.
Destino: São Paulo
O maior contingente de emigrantes italianos se dirige a São Paulo. “Dos quatro milhões de estrangeiros entrados no Brasil entre 1886 e 1934, 56% foram absorvidos por essa região” (HOLLOWAY, T. H. Immigrantts on the land: Coffee and society in São Paulo 1886-1934, Chapel Hill, 1980, citado por Trento). Se, contudo, restringe-se a estatística aos períodos de 1887 e 1902, que é mais próximo ao tema deste livro, teremos o percentual de 63,5.
Os
municípios que mais acolheram os italianos foram os que estavam ao longo das
ferrovias Mojiana e Paulista, a rota do café. Chegavam a Santos e, embarcados
em trem, seguiam para a capital. Iam curiosos, debilitados, sobreviventes,
cheios de esperança e medo. A Hospedaria dos Imigrantes, pertencente à
Sociedade Promotora, acolhia-os no bairro do Brás. A distância entre as
fazendas e o afluxo permanente e generoso da mão de obra que viria render
aqueles rebeldes e insatisfeitos seriam as causas da dispersão dos imigrantes
(que, só mais tarde, com o aparecimento de periódicos italianos e/ou a
agremiação em fábricas urbanas trariam maior união de interesses).
As
já observadas más condições de trabalho, as multas, os salários baixos ou
atrasados, a dependência do dono da fazenda, o endividamento com compras feitas
em armazém do proprietário, moradias precárias e tratamento degradante eram as
características gerais que formavam um quadro vivo e pungente das dificuldades
iniciais e quase impossibilitavam os imigrantes a criar um pecúlio que os faria
fugir dessa roda perversa da fortuna.
Contudo,
já em 1890, poderiam ser encontrados italianos proprietários de terra, entre
eles a curiosa aparição de três padres.
Durante
o período da imigração houve deserção, volta à Itália e outros fenômenos
migratórios como a reemigração, ou seja, muitos deixavam a Argentina,
principalmente no fim do século XIX em razão da crise naquele país, e
ingressavam no Brasil criando um difícil registro para as estatísticas. Por
outro lado, contratados para serem trabalhadores nas fazendas de café,
abandonavam o campo e migravam para as cidades. O secretário de Agricultura
queixava-se para seu governador à época, o presidente da província Teodoro Dias,
que “apesar de todas as seguranças introduzidas no contrato, [...] depois de
chegados às hospedarias”, recusam-se a aceitar a colocação na lavoura. “A consequência
é o crescimento extraordinário da população proletária das cidades,
principalmente da capital” (Relatório anual
apresentado ao cidadão dr. presidente Dr. Theodoro Dias de Carvalho Júnior,
1895, São Paulo, 1896).
Em 1894, 82% dos que se
alojavam na hospedaria do Brás trocaram as agruras da lavoura pela incerteza da
cidade grande. O presidente Campos Sales (que tragicamente teve um irmão
assassinado por “crime de honra” por um imigrante italiano), em jantar em sua
honra oferecido pelos italianos, registra em seu discurso:
“Não
existe trabalho lícito, não há setor de considerável produção: agricultura, comércio,
indústria, ciências, letras, artes, finanças, não há movimento de sociabilidade
em que o italiano não esteja ao lado do brasileiro, partilhando esforços e
resultados, dores e alegrias, com a única natural diferença de capacidade, de
recursos e sorte de um ou do outro lado [...]. Visto de outro ângulo, e nem por
isso menos significativo, a quem pertencem as maiores empresas industriais de
nosso país? Aos italianos. A quem pertencem tantas e tantas afamadas
instituições comerciais e bancárias? Aos italianos. Quem contribuiu em maior
número para o nosso já poderoso organismo proletário? Os italianos. E todos
vivem, trabalham e prosperam em louvável fraternidade com nossos patrícios.”
De
mascate a dono de lojinha. Muitos dos imigrantes, desgostosos com o campo ou
mesmo aqueles que se dirigiam à lavoura, lançavam-se na aventura urbana.
Desempenhando funções humildes e servis, desde engraxates a distribuidores de
pão e jornal, o italiano imigrante também tinha como sua principal atividade a
arte de mascatear que disputavam com os chamados turcos. Morse observa que o
mascate percorria trilhas e rotas ingratas, usando como meio de transporte
mulas, percorrendo fazendas, empreendendo vendas ou trocas (MORSE, R.M., Formação histórica de São Paulo, São
Paulo, 1970). “Seu sonho de todos os momentos era adquirir capital para abrir
um pequeno armazém de artigos generalizados numa estrada movimentada do
interior e finalmente estabelecer-se com loja ou fábrica numa cidade, idealmente
São Paulo.” É daí que vem a expressão, que Moriconi abomina, de carcamano, ou seja, aquele comerciante
que se utiliza de pressão na balança para aviltar o peso: “calcar a mão.”
Alemães,
ingleses e portugueses eram donos dos grandes negócios. Os italianos
dedicavam-se aos ofícios menores como pedreiros, sapateiros, alfaiates,
cocheiros, cavadores, caldeireiros e muitas outras profissões assemelhadas. Em
1894, os quatrocentos lixeiros de São Paulo falavam com sotaque italiano. Trento
chega a dividir as profissões por zonas italianas de emigração. Assim
campânios, lucanos e calabreses eram ambulantes, carregadores, engraxates e
cocheiros; os piemonteses dedicavam-se ao ofício de cavadores; os toscanos
caracterizavam-se pelo pequeno comércio de verduras; já os do norte da Itália
se ocupavam de ofícios manuais – os artesãos.
Os
grandes magnatas como Matarazzo, dedicado inicialmente ao comércio de
importação e, mais tarde, oferecido à sociedade como exemplo de perseverança, self-made man, assim como muitos outros,
não eram os pobres imigrantes que vinham na terceira classe nos navios.
Pertenciam àqueles oriundos da classe média italiana que já imigravam com algum
capital para investir. E o mesmo se deu, com pequenas diferenças biográficas,
com outros mitos do sucesso italiano em São Paulo, como Alessandro Siciliano
(fundador da Companhia Mecânica e Importadora e o Banco Ítalo-Brasileiro);
Antonio Januzzi na construção civil e Giuseppe Martinelli, fundador, em 1917,
da companhia de navegação Lloyd Brasileiro.
Trento
observa que a integração do imigrante italiano foi bem realizada e são raros os
momentos de conflito coletivo. Assinalam-se os anos de 1892 e 1896 como aqueles
de verdadeiro enfrentamento e crise. No primeiro caso, relata a prisão de um
comandante de um navio atracado em Santos que morreu dias depois, depauperado
pelos maus-tratos e vítima de febre amarela. “Esse foi sinal de grave desordem:
outros exaltados organizaram uma contramanifestação, que, ao grito de ‘Morra
Itália! Morram os italianos’, começou a percorrer a cidade, insultando,
batendo: foram assaltados jornais italianos e nasceram conflitos, alguns até
sangrentos” (RANGONI, D. Il Lavoro collettivo
degli Italiani al Brasile).
O
conflito de 1895-1896 refere-se também à Marinha italiana e à febre amarela.
117 mortes da tripulação do navio Lombardia,
entre eles o capitão. O governo italiano chegou a pensar numa expedição naval
contra o Brasil. O certo é que os governos de ambos os países se estranharam e
a crise diplomática refletiu-se na população até ser assinado, em 19 de novembro
de 1896, o protocolo final De Martino-Cerqueira, com estipulação de multa de 4
mil contos de réis para o Brasil.
Mesmo
com outros incidentes isolados e menores, “a rapidez de assimilação dos
italianos em relação ao novo ambiente e a facilidade com que o mundo brasileiro
acolheu e fez próprios alguns dos hábitos e costumes trazidos pelo imigrante”
favoreceram a absorção do elemento estrangeiro no Brasil. Ainda segundo Trento:
“Mesmo que essa tese pareça demasiado otimista, não há dúvida de que a
integração dos italianos na sociedade brasileira foi muito maior e mais veloz
do que na sociedade norte-americana, por exemplo.”
No país dos macacos, de Moriconi
Visto por estudiosos como etnocêntrico, racista e intransigente, Ubaldo A. Moriconi relata o país que viu no fim do século XIX e que, ainda hoje, causa certa indignação dos leitores que ao livro têm acesso. Impregnado dos conceitos mais gerais sobre antropologia e sociologia, dentro do espectro mais conservador, inclusive com toques de determinismo e ideias já há muito desacreditadas como as de Lombroso, Moriconi não se propôs a fazer um livro sobre essas disciplinas. Ocorre que, ao introduzir temáticas candentes como colonização, raça e clima, o italiano envereda perigosamente numa senda das mais condenáveis.
No país dos macacos, de Moriconi
Visto por estudiosos como etnocêntrico, racista e intransigente, Ubaldo A. Moriconi relata o país que viu no fim do século XIX e que, ainda hoje, causa certa indignação dos leitores que ao livro têm acesso. Impregnado dos conceitos mais gerais sobre antropologia e sociologia, dentro do espectro mais conservador, inclusive com toques de determinismo e ideias já há muito desacreditadas como as de Lombroso, Moriconi não se propôs a fazer um livro sobre essas disciplinas. Ocorre que, ao introduzir temáticas candentes como colonização, raça e clima, o italiano envereda perigosamente numa senda das mais condenáveis.
A
antropologia, a etnografia e a sociologia, na época de Moriconi, grosso modo, dividiam-se entre evolucionistas
e aqueles que buscavam não a essência da origem humana, mas um modo de proceder,
isento de julgamentos e hierarquia entre culturas. Ou seja, Moriconi, do ponto
de vista científico, estava defasado. O que acontecia então com o italiano? Imbuíra-se
de uma ideologia corrente, ordinária e oligárquica. Sem nem mesmo ter contato
com o escopo científico do fenômeno racial e cultural, o jornalista Ubaldo
Moriconi reproduzia, de segunda mão, um complexo conjunto de opiniões que
estavam na cabeça de seus mais conservadores contemporâneos, de qualquer que
fosse a nacionalidade.
Moriconi
era apenas um jornalista com uma visão parcial e comprometida que escrevia
sobre o universo que presenciava, utilizando-se de números inexatos (diga-se de
passagem, reconhecidos por ele). Sem método científico, baseando-se na sua
experiência, o que já comprometia a análise, o italiano esboçava um painel
pleno de lugares-comuns, de uma visão reduzida, limitada por seu conhecimento
na área em que atuava como “observador”.
Visto
como mais um livro de viagem – que não o é – podemos entender Moriconi como um
desbravador que, sem rigor, descrevia a sociedade que estava diante dos seus
olhos. Ora, essa “ingenuidade” científica valia para os primeiros viajantes que
aportaram no Brasil, como, por exemplo, entre inúmeros outros, os capuchinhos
Claude D’Abeville e Yves d’Évreux que deram as primeiras notícias sobre a
povoação do Maranhão e fizeram um verdadeiro estudo etnológico das populações
indígenas. A terminologia de livro de viagem cabe muito apertada no livro de
Moriconi como quem veste um número menor de roupa.
Chegado
no navio Orénoque, logo imediatamente
depois da Proclamação da República, Moriconi é um espírito inquieto e
perscrutador. Jornalista e intelectual, logo funda uma revista ilustrada. Mais
tarde, em São Paulo, em 1894, dirige o jornal italiano Il Messaggero. Em 1895, tem sua experiência mais forte ao servir ao
governo de Minas Gerais, trabalhando no serviço de imigração de seus conterrâneos.
Todo o tempo que passa no Brasil vai registrando na memória os casos,
recolhendo dados, verificando condições dos colonos na lavoura ou mesmo o
turbilhão nascente de imigrantes nas grandes metrópoles de Rio e São Paulo.
A
publicação de Nel Paese de’ “Macacchi”,
no ano de 1897, mostra um autor rigoroso com os hábitos de seu povo e crítico
com o país que o recebe. A proposta é proporcionar ao leitor italiano, seja ele
autoridade, seja o candidato a emigrante, uma justa visão do processo emigratório
e as condições de trabalho, sobrevivência e também uma descrição do
comportamento (da psicologia coletiva) do homem brasileiro e da sociedade em
que os dois, italiano e brasileiro, estarão inseridos. Em seu próprio parecer,
Moriconi acredita estar fazendo um serviço de utilidade pública, principalmente
ao cobrar do governo italiano determinadas medidas que favoreceriam a entrada
de italianos, sua instalação em solo brasileiro e até mesmo, em termos
comerciais, um aumento de exportação de produtos in natura ou beneficiados para a grande população de imigrados italianos,
cujo mercado era dominado por produtos alemães, ingleses e franceses.
Para voltar ao início
Ubaldo Moriconi, como já foi dito, aporta no Rio de Janeiro logo imediatamente após a proclamação da República. Observa que não havia movimentação, agitação, manifestação pública de apoio à Monarquia ou mesmo um ambiente revolucionário. Aquele é o primeiro motivo para que ele afirme a inépcia, indiferentismo, preguiça, lassidão e ignorância do povo brasileiro. Na verdade, o italiano não dirá nada distinto do que foi afirmado por vários brasileiros e registrado por nossos historiadores: o povo não teve participação direta nos movimentos republicanos e a troca de sistema de governo lhe foi indiferente. A República foi um ato da elite e do Exército que reclamavam mudanças de governo e não propriamente mudanças estruturais. Os historiadores a chamarão de República Velha, a oligarquia continuará a participar das decisões de um país agrário que acabara de perder a mão de obra escrava. Passados os primeiros momentos ditos revolucionários e um pouco exaltados na imprensa, logo os antigos colaboradores da Monarquia serão chamados para compor o quadro administrativo do país por falta obviamente de especialistas em várias áreas do novo governo.
Para voltar ao início
Ubaldo Moriconi, como já foi dito, aporta no Rio de Janeiro logo imediatamente após a proclamação da República. Observa que não havia movimentação, agitação, manifestação pública de apoio à Monarquia ou mesmo um ambiente revolucionário. Aquele é o primeiro motivo para que ele afirme a inépcia, indiferentismo, preguiça, lassidão e ignorância do povo brasileiro. Na verdade, o italiano não dirá nada distinto do que foi afirmado por vários brasileiros e registrado por nossos historiadores: o povo não teve participação direta nos movimentos republicanos e a troca de sistema de governo lhe foi indiferente. A República foi um ato da elite e do Exército que reclamavam mudanças de governo e não propriamente mudanças estruturais. Os historiadores a chamarão de República Velha, a oligarquia continuará a participar das decisões de um país agrário que acabara de perder a mão de obra escrava. Passados os primeiros momentos ditos revolucionários e um pouco exaltados na imprensa, logo os antigos colaboradores da Monarquia serão chamados para compor o quadro administrativo do país por falta obviamente de especialistas em várias áreas do novo governo.
Estudado
tanto por pesquisadores das ciências sociais, o livro de Moriconi já teve até
mesmo crítica da linguística, que lhe fez a exegese do discurso contaminado pelo
racismo. A análise do discurso viu num texto que não precisa muito para
escamotear o seu deslavado preconceito contra o Brasil, uma forma de opressão e
visão do europeu que nos observa como povo primitivo e atrasado. Moriconi,
contudo, apesar das claras manifestações de desagrado à sujeira, insalubridade
do clima tropical e das cidades empesteadas pela febre amarela e outras doenças
tropicais, tem por trás de seu discurso outro tipo de ideologia mais
escamoteada e velada nos entretextos do volume que escreveu.
É curioso, antes de adentrarmos em
questões mais sérias, o comportamento do italiano quando recebe o mesmo
tratamento que deu ao Brasil. E, tomado por um patriotismo cego, renega em si o
que acusou no outro. O visconde de Ouro Preto, diz ele, sob pseudônimo havia
escrito um “livreco” sobre a Itália, intitulado Recordações da Itália, “escrevinhado à base de inexatidões e de
malignidade”. O visconde escreve que o exército italiano não passava de “trupe teatral e de parada”, o que foi o
bastante para que o espezinhado Moriconi acusasse o visconde de “leviandade e
incompetência”.
O pensamento da oligarquia
A visão do brasileiro como mistura de raças e uma perspectiva pouco alentadora do processo civilizatório brasileiro está estampada em letra de forma de vários pensadores e escritores brasileiros. Mesmo Euclides da Cunha, no início de Os sertões, não via com bons olhos o futuro de um tipo mirrado, raquítico e doente. Esta concepção do brasileiro miscigenado que não tem futuro estará presente até mesmo já entrado o século XX e exposto como teoria por, entre outros, Monteiro Lobato com seu Jeca Tatu, infestado “por um zoológico em suas entranhas”, ao se referir às doenças endêmicas do nosso caboclo.
O pensamento da oligarquia
A visão do brasileiro como mistura de raças e uma perspectiva pouco alentadora do processo civilizatório brasileiro está estampada em letra de forma de vários pensadores e escritores brasileiros. Mesmo Euclides da Cunha, no início de Os sertões, não via com bons olhos o futuro de um tipo mirrado, raquítico e doente. Esta concepção do brasileiro miscigenado que não tem futuro estará presente até mesmo já entrado o século XX e exposto como teoria por, entre outros, Monteiro Lobato com seu Jeca Tatu, infestado “por um zoológico em suas entranhas”, ao se referir às doenças endêmicas do nosso caboclo.
Dito
por um brasileiro, soará como lavar a roupa suja em casa e pensar o Brasil
verdadeiro (embora saibamos que estavam eivados de preconceitos, mesmo
Euclides, no mesmo livro, mudará de opinião e transformará o sertanejo na frase
já célebre de que é antes de tudo um forte). Dito por um estrangeiro, inclusive
um observador que teve pouco tempo para analisar a composição étnica, política,
social e ideológica do povo brasileiro, soará como ofensa e preconceito a um
país jovem com boas perspectivas de crescimento.
Mas Moriconi não é original em
suas observações sobre o Estado, o homem, a cultura e a sociedade brasileira.
Para ficar com seu próprio texto, é interessante observar que um dos nossos
mais consagrados pensadores, Joaquim Nabuco, também irá expressar na mesma
época os mesmos juízos do italiano. Diz Nabuco, em seus Discursos Parlamentares:
“A esta categoria [de portugueses
condenados, hebreus, boêmios zíngaros, a flor da escória daquela época]
podem-se juntar os descendentes dos mamelucos e dos caboclos, resultados de
cruzamentos como as várias tribos indígenas; cruzamentos que fisicamente não
deram origem a um tipo muito feliz...”
“Os negros puros (...) vão sempre
diminuindo sob os abraços do elemento emigrado português, que vive em
concubinato com a virgem negra, dissolvendo a raça, e engrossando as filas da
falange mulata. Aliás, é o único serviço que presta o português, o qual,
açambarcador do pequeno comércio e ávido de dinheiro, é considerado como o
vampiro do país.” (p.16)
Amigo de Bilac e outros
intelectuais brasileiros, Moriconi na verdade teve pouco tempo para deixar que
seu pensamento borbulhante e investigativo em relação ao processo migratório
pudesse gerar um conhecimento específico e diversificado. Abeberou-se do pensamento
mais corrente e contraditório que havia ao seu redor. É certo que certas
experiências traumáticas como o cólera que infesta e devasta o grupo de italianos
albergados em Juiz de Fora, uma experiência humana limite e arrasadora
emocionalmente, contribuiu e muito para sua avaliação do papel do Estado
brasileiro e descaso das autoridades italianas.
Amor e ódio
É muito comum o elogio à natureza em detrimento ao ambiente cultural. Há beleza em países da África, América do Sul e Ásia, mas suas culturas estão atreladas ao passado ou expressam um primitivismo bom para etnólogos mas não para o progresso da ciência ou o futuro dos povos. Esse tipo de observação foi muito frequente no passado e – pasmem – continua a pertencer ao repertório de muitos analistas amadores do campo social. Moriconi elogia a nossa baía de Guanabara, as montanhas do Brasil meridional (“a região Sul é temperada e goza de um clima delicioso; [...] ótimas para o cultivo dos cereais e para a criação de animais”), o sistema hidrográfico (“a obra mais bela da criação”), magníficos portos marítimos e os saltos e cascatas do São Francisco são “mais belas e mais imponentes do que as do Niágara”, a serra dos Órgãos e muitas outras paisagens, meio ambiente e clima.
Amor e ódio
É muito comum o elogio à natureza em detrimento ao ambiente cultural. Há beleza em países da África, América do Sul e Ásia, mas suas culturas estão atreladas ao passado ou expressam um primitivismo bom para etnólogos mas não para o progresso da ciência ou o futuro dos povos. Esse tipo de observação foi muito frequente no passado e – pasmem – continua a pertencer ao repertório de muitos analistas amadores do campo social. Moriconi elogia a nossa baía de Guanabara, as montanhas do Brasil meridional (“a região Sul é temperada e goza de um clima delicioso; [...] ótimas para o cultivo dos cereais e para a criação de animais”), o sistema hidrográfico (“a obra mais bela da criação”), magníficos portos marítimos e os saltos e cascatas do São Francisco são “mais belas e mais imponentes do que as do Niágara”, a serra dos Órgãos e muitas outras paisagens, meio ambiente e clima.
Mas
a natureza humana é preguiçosa, carreirista, os homens empertigam-se em ternos
europeus e suam debaixo de tecidos pesados numa rua fétida chamada Rua do
Ouvidor e outras adjacentes onde se podem encontrar lojas de produtos finos ao
lado de mercearias ordinárias. A febre amarela ceifa a vida dos pobres
imigrantes italianos. O Rio de Janeiro favorece um clima insalubre (curioso que
muitos higienistas brasileiros também acreditavam que o ar não circulava a
contento na capital do país, propiciando o aparecimento de epidemias fatais). A
psicologia do brasileiro é a do “esperto”, admiram os corruptos por serem mais
“malandros” (a palavra é de Moriconi), os nacionais são superficiais,
verborrágicos e vaidosos, mantêm hábitos pouco higiênicos (o que também condena
nos imigrantes italianos), as mulheres não sabem se comportar em sociedade e
comem sem educação, mesmo aqueles e aquelas que estão inscritos na nobreza da
terra.
Aqui
e ali se observa algum comentário exagerado, fruto talvez do cacoete do
jornalista que quer chamar atenção ao seu trabalho. A natureza em Moriconi é um
Jano com duas faces opostas: se por um lado é exuberante e fértil, por outro é
demoníaca e assassina como a febre amarela e o cólera. Neste último aspecto,
ele chega a afirmar que na bela natureza do Rio pode-se ter um calor de 40
graus que fulmina o caminhante. Diz ele: “... o termômetro atinge não raro os
40 graus à sombra, e onde os raios do sol, no verão, são tão ardentes que podem
fazer cair fulminado o caminhante”.
Ainda
dentro do espectro da contradição, Moriconi condena a imprensa brasileira por
ser provinciana e viver de fatos sociais menores e pagos. Fatos íntimos,
restritos a batizados, formaturas, casamentos e outros eventos assemelhados,
que não deveriam estar em páginas de periódico. Chega inclusive a observar que
muitos jornais brasileiros em língua italiana foram influenciados pela imprensa
brasileira, tomando o hábito e o abuso de não apenas publicar matéria paga, mas
também de usar uma linguagem chula, ameaçadora, divulgar boatos e injúrias. O
que demonstra a declaração de Moriconi: o italiano abrasileira-se até mesmo
numa atividade mais nobre que a do camponês. Como se o mal fosse apenas
brasileiro, como se na imprensa internacional – e até mesmo na Itália – na
passagem do século XIX para o XX não houvesse o mesmo fenômeno. De qualquer
forma, em outras passagens do livro, elogia “a liberdade sem limites” da
imprensa brasileira e os “jornais saem todos à hora prometida e as grandes
iniciativas comerciais multiplicam-se vertiginosamente”. Chega a citar três ou
quatro publicações brasileiras com um grau de excelência europeu.
O homem cordial
Há uma recaída no fenômeno de absorver as ideias que circulavam na classe dominante brasileira. Moriconi, antes de Sérgio Buarque de Holanda, que cita Ribeiro Couto, acata a percepção de que o homem brasileiro é gentil e que as classes sociais convivem sem conflitos.
O homem cordial
Há uma recaída no fenômeno de absorver as ideias que circulavam na classe dominante brasileira. Moriconi, antes de Sérgio Buarque de Holanda, que cita Ribeiro Couto, acata a percepção de que o homem brasileiro é gentil e que as classes sociais convivem sem conflitos.
“Afirmo, com toda segurança, que
não existe outro país que iguale o Brasil na simplicidade e urbanidade de todas
as classes de cidadãos, sem distinção de raça e condição. Ali até o último
serviçal, escravo até há poucos anos, é tratado pelo seu patrão ou pelos
companheiros com a máxima urbanidade e com o título de senhor. E isto é tanto
mais notável como se a escravidão não tivesse durado ali, por vários séculos,
sem deixar-lhes profundas e sujas raízes.”
A prodigalidade e a hospitalidade
são prodígio do povo brasileiro. Até hoje permanece no inconsciente coletivo
nacional a ideia de que somos acolhedores e afáveis, o povo simpático e
hospitaleiro. Mas, se o povo é de tão boa índole (para usar uma palavra que
pertence ao campo semântico da afetividade e instinto), por que então as
mulheres são tão mal educadas, os homens superficiais e emproados, o povo
indolente e malandro? O próprio Moriconi não se formula esta pergunta pela
simples razão de que ele não percebia que se contradizia.
E assim segue nosso observador e
diligente jornalista: Petrópolis tem o clima úmido e nocivo (embora não
explique sua noção de nocivo). Mas Teresópolis (na mesma serra, cidades gêmeas)
não. “Teresópolis é suprida de excelente água potável e dotada de terras
bastante férteis”. E o Dedo de Deus, elevação escarpada, vista pelos visitantes
ao longe, “nenhuma localidade da Suíça supera”.
Ubaldo Moriconi elogia o exército
brasileiro (“o luxo com o qual são equipadas as tropas de cada arma”), São
Paulo (o clima, a cidade, a terra a ser plantada, a indústria, a riqueza
hidrográfica, as ferrovias, a paisagem), o Rio Grande do Sul (“campos
fertilíssimos”, “o caráter enérgico do povo”), entre outras observações
positivas. Sobre o italiano, concomitantemente, mesmo entre elogios, também
emite opiniões negativas eivadas não apenas de preconceito, mas de erro de
perspectiva. Além de absorver a ideologia da classe dirigente (que ele também
elogia e renega), Moriconi não detém os instrumentos de sua época para uma
análise etnográfica, sociológica ou antropológica.
Quanto às autoridades brasileiras
e italianas, Moriconi igualmente investe seu elogio e desaprovação. Em certos
momentos, mostra acertos e boas intenções do governo central (quase sempre
despreza as administrações estaduais), aprova leis e medidas do Brasil em
relação à emigração e acusa de descaso, incúria, incompetência e desorganização
o aparelho de Estado. Tratamento semelhante dá ao governo italiano que ele
desejaria mais atento ao problema da emigração. Para ele, o governo deveria
selecionar os emigrantes e não enviar camponeses analfabetos, sujos e
despreparados, quando não enviar feito gado um grupo de malandros e
trabalhadores inservíveis. Critica leis e medidas também emanadas do governo
italiano, assim como oferece estratégias de seleção, envio e adaptação ao
imigrante ao chegar ao novo país que o acolhe.
“Seria concedida a viagem sem
pagamento, de suas localidades aos portos de embarque e dali até os lugares de
destino, dando-lhes bom tratamento durante a viagem, com vista a sentirem o
menos incômodo possível.
“Chegados ao destino, para cada
família seria designada uma casa – composta ao menos de dois cômodos – bem
construída, e um lote de bom terreno com superfície de 25 a 30 hectares, medido
e separado dos vizinhos.”
Há vários equívocos de
interpretação da realidade brasileira. Do ponto de vista político, não entendeu
o governo autoritário de Floriano Peixoto, repetindo a opinião média
generalizada em torno de si. Tem admiração por Rui Barbosa, mas inclui seu
amigo Olavo Bilac entre os intelectuais que, na Rua do Ouvidor, discutem
trivialidades enquanto a realidade reclama uma participação maior dos artistas.
Reproduz uma visão simplória que os próprios brasileiros tinham do mineiro como
tacanho, provinciano e desconfiado.
Quanto aos italianos também os
critica e, outra vez utilizando preconceituosamente de conceitos ideológicos
preconcebidos pela classe dirigente, deplora a vinda de imigrantes do sul e luta
por uma imigração de elite, preferencialmente do norte da Itália. Há de se
entender que Moriconi escreve o livro para servir de orientação para os que
trabalham com a emigração, o povo italiano em geral, e, em particular, àqueles
que pensam em imigrar para a nova terra.
O resultado final é positivo
porque Moriconi não descrê do processo migratório, apenas quer corrigir
imperfeições ou a implantação de políticas de estado levadas a cabo com responsabilidade.
Alimenta, principalmente, criar um polo de consumo de produtos italianos na
América do Sul. Vê o potencial no fato de que, enviando italianos melhor
preparados, estes estarão aptos a consumir a produção industrial ou artesanal
italiana. Dá como exemplo a colonização alemã, que conseguiu implantar um
sistema de importação de produtos alemães com sucesso.
Vendo-se Moriconi como um
propagandista da Itália, um observador subjetivo da realidade brasileira (o seu
testemunho de maneira alguma pode ser desprezado e serve mesmo para estudos
sobre a imigração italiana no Brasil), um visionário que deseja que seu país
tenha um mercado consumidor no Brasil, o livro O país dos macacos torna-se um volume de riqueza abundante, ainda que
vários estudos acadêmicos somente o vejam pelo prisma do preconceito,
etnocentrismo e racismo.