Foi até a casa do
Enforcado. Recolheu o menino atoleimado para sua cela, serviu-se de um índio
para que socorresse o inválido em suas necessidades de filho de Deus e zelasse
por limpeza e alimentação. Cinco dias depois, o Espanhol era enterrado, comido
pela peste, tão negro que parecia um homem da Guiné.
Além do isolamento, da proibição de
festas coletivas e de gente massuda unida e algazarrenta, a Câmara, em regime
de urgência, contratou enfermeiros leigos, carros de boi para levar os defuntos,
coveiros imperitos e outros funcionários que chamou de vaga-lumes por trabalho
intermitente. Padre Ambrósio usava seu método japonês. Aconselhou a todos que
visitava ou encontrava pelos caminhos que trajassem vermelho. Os reis de França
haviam se vestido de rubro e passaram incólume pela peste negra.
Na ausência de botica que
providenciasse remédio que medicina alguma tinha descoberto para a bexiga, Rui fazia
uso de cascas, resinas, xaropes, gomas, ervas, unguentos e outros medicamentos dos
gentios. Usava pau-tacagé para adstringir as vesículas, óleo de copaíba para
cicatrizar as chagas, juticuçu como antipirético, ipecacuanha para vomitório, manjerioba
na disenteria, caso fosse necessário, e guembébê-guauçu se houvesse hemorragia.
No meio do desânimo – a peste não
arrefecia –, do pavor do contágio que gerava desconfiança até no aperto de mão,
do sibilo desaforado do vento nas ruas desertas e atoleimadas, dos olhos
esgueirantes por trás das rótulas e das rezas encarniçadas para expulsar a bexiga
como punição divina, havia lugares distintos e histéricos. O puteiro de
Antonieta a Francesa estava mais cheio do que nunca, num frenesi de corpos e
suores nunca visto.
(do livro Vieira na ilha do Maranhão. Rio: 7Letras, 2019)