domingo, 3 de março de 2024

A peste em Vieira na ilha do Maranhão 4


Cientistas descobriram a origem da Peste Negra - ZAP


       Foi até a casa do Enforcado. Recolheu o menino atoleimado para sua cela, serviu-se de um índio para que socorresse o inválido em suas necessidades de filho de Deus e zelasse por limpeza e alimentação. Cinco dias depois, o Espanhol era enterrado, comido pela peste, tão negro que parecia um homem da Guiné.

            Além do isolamento, da proibição de festas coletivas e de gente massuda unida e algazarrenta, a Câmara, em regime de urgência, contratou enfermeiros leigos, carros de boi para levar os defuntos, coveiros imperitos e outros funcionários que chamou de vaga-lumes por trabalho intermitente. Padre Ambrósio usava seu método japonês. Aconselhou a todos que visitava ou encontrava pelos caminhos que trajassem vermelho. Os reis de França haviam se vestido de rubro e passaram incólume pela peste negra.

            Na ausência de botica que providenciasse remédio que medicina alguma tinha descoberto para a bexiga, Rui fazia uso de cascas, resinas, xaropes, gomas, ervas, unguentos e outros medicamentos dos gentios. Usava pau-tacagé para adstringir as vesículas, óleo de copaíba para cicatrizar as chagas, juticuçu como antipirético, ipecacuanha para vomitório, manjerioba na disenteria, caso fosse necessário, e guembébê-guauçu se houvesse hemorragia.

         No meio do desânimo – a peste não arrefecia –, do pavor do contágio que gerava desconfiança até no aperto de mão, do sibilo desaforado do vento nas ruas desertas e atoleimadas, dos olhos esgueirantes por trás das rótulas e das rezas encarniçadas para expulsar a bexiga como punição divina, havia lugares distintos e histéricos. O puteiro de Antonieta a Francesa estava mais cheio do que nunca, num frenesi de corpos e suores nunca visto. 


(do livro Vieira na ilha do Maranhão. Rio: 7Letras, 2019)




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