Vim lhe fazer
uma proposta.
Proposta? Não temos nada em comum,
negócio ou amizade, por que você vem me fazer uma proposta?
Não se altere, estou aqui em missão
de paz.
Não sabia que agora você deixou a
Bolsa de Valores para ser missioneiro.
Ele não gostou da minha ironia, mas
não tinha outra arma a não ser a ironia. Ele vestia um terno bem cortado –
devia ser um terno bem cortado, eh bem, nunca soube exatamente o que era um
terno bem cortado, devia ser um terno que cabia perfeitamente na medida certa
da pessoa, eu acreditava que havia pessoas bem cortadas e que qualquer roupa
lhes caía bem, aquele terno do irmão de Alice, por exemplo, podia ser bem
cortado, mas o rapaz não era bem cortado, tinha braços longos, era de altura
mediana, barriga proeminente e pernas curtas, não, Marcos, o irmão de Alice
definitivamente não era um homem bem cortado – mas dizia que vestia terno bem
cortado, carregava pasta e lá de dentro retirou alguns papéis.
Posso sentar?
Não consigo ser irônico com a
delicadeza. A única arma que me vence é a delicadeza. É ela que cria
armistícios e alivia o desconforto de situações inertes. A proposta de Marcos
não era a proposta de Marcos. Era a proposta da família. Ele apenas vinha
trazer o recado. Não era original a proposta de Marcos. A família queria que eu
deixasse Alice em troca de grana. Expulsei-o de casa. Ele havia declarado
guerra a meus nervos. E atacava a única coisa da qual me orgulhava de ter
herdado dos meus pais que nunca nasceram: a honra.
Não sabia nada sobre eles, nem
física nem mentalmente, não sabia se eram comerciantes ou funcionários
públicos, se eram religiosos ou comunistas, mas de uma coisa tinha certeza: se
Alice herdara bens, eu herdara apenas um bem. Meu bem era saber que tinha
honra. Não honra inerte, desconfortável e bélica. Não contei nada para Alice,
sabia que ela ia arrumar confusão com a família. Não tanto por mim, não tanto
por amor a mim, embora tivesse certeza de que Alice me amava, mas porque eles
também duvidavam da capacidade de Alice de discernir. Tratavam-na como pessoa
que precisava de curatela. Uma pessoa sem paz de espírito, enquanto Alice tinha
o espírito devorador e acusatório da arte e a paz dos que justamente não
precisam de curador, seja da família, seja de companheiro. A única curatela que
Alice desejava ter era a curatela da poesia. A qualquer momento ela poderia
irromper e desnorteá-la, tornando-a uma Alice que ela mesma desconhecia.