quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Don Juan (narrado por ele mesmo), Peter Handke



UM LIVRO DE BOM GOSTO
A primeira vez em que Don Juan aparece é na peça espanhola de Tirso de Molina, no século XVII, segundo Ian Watt. Assim como Madame Bovary e Dom Quixote, Don Juan é um arquétipo cujo público se identificou de tal forma que o comportamento desse tipo de personagem produziu até mesmo os adjetivos derivados deles como bovarismo (menos comum e mais erudito), donjuanismo e quixotesco. A força do personagem – e seu arquétipo – seduziu autores de várias estirpes, como Molière, Kierkegaard, Ortega y Gasset e Camus, isso sem contar as versões em outras expressões artísticas e culturais.

Aqui, Don Juan aparece de surpresa para um sujeito retirado, cansado de leituras, que vive num semi-exílio em Port-Royal. A narrativa de Peter Handke pertence à categoria dos relatos acrônicos, ou seja, a mistura de épocas e personagens que não poderiam se encontrar, pois vivem em tempos diversos. O Don Juan que aparece para seu anfitrião, exímio cozinheiro, é o verdadeiro Don Juan que vence o tempo. A acronia vem cada vez mais freqüentando a literatura, já que é um tipo de fantástico suavizado e curioso.

O tempo em que se passa o romance é o atual, mas o Don Juan é o mesmo personagem mulherengo que se conhece. Misturam-se atitudes nobres e sofisticadas de Don Juan e máquinas, aviões e motos. O cerne do romance está na narração de Don Juan de suas aventuras. Embora o título seja Don Juan, com o subtítulo “Narrado por ele mesmo”, o romance tem na figura de um cozinheiro o seu narrador. Diferente dos outros Don Juans (inclusive o primitivo, o do dramaturgo Tirso de Molina, um Don Juan mais atrapalhado que propriamente um conquistador inveterado), este Don Juan carrega consigo a morte do filho. O luto empalidece um pouco a figura fogosa e aventureira que a imaginação popular consagrou. Don Juan aqui é Don Juan: em sete dias narra a história de aventuras com sete mulheres diferentes em sete diversos lugares.

Don Juan (narrado por ele mesmo), da Editora Estação Liberdade, é de autoria de Peter Handke, austríaco nascido em 1942. Handke é dramaturgo, romancista, roteirista de cinema e ensaísta. Entre suas obras, vale destacar a parceria com Wim Wenders, como roteirista, no filme Asas do desejo. Handke trabalha com um personagem absolutamente sedutor, mas sua narrativa não tem igual grau de sedução.

Peter Handke, contudo, consegue manter a narrativa de forma segura e, até certo ponto, envolvente. Não há grandes aventuras, nem muito menos peripécias eróticas. O que existe de sobra é um fascínio do narrador em assinalar o encanto da narração. É pela narração que Don Juan conquista as mulheres e é através do ato de narrar que nós tomamos conhecimento dos atos de Don Juan. É a mesma estratégia de Casanova. O que existe aqui é palavra e, como nas Mil e uma noites, o poder da palavra para dar realidade a fatos que desconhecemos se realmente existiram ou não.

O fato de o narrador ser cozinheiro também pertence ao campo da narração, ou seja, narrar é como cozinhar. Misturam-se vários ingredientes e temos um sabor, um prato, um degustar. “Eu cozinhava e Don Juan narrava”, escreve o narrador. Todos os Don Juans são variantes de um mesmo Don Juan. O personagem é um personagem, fruto da imaginação e da palavra. Levado a outras expressões artísticas, não apenas agora, mas desde que surgiu como lenda, somos levados a crer que não existe apenas um personagem verdadeiro. Todos os Don Juans pertencem ao imaginário coletivo e, logo, todos são verdadeiros, como, aliás, é a teoria do mito do ponto de vista antropológico. “Durante os sete dias no jardim da minha casa, entraram em cena outros e mais outros Don Juans: nos programas noturnos de televisão, na ópera, no teatro, bem como em carne e osso, na chamada realidade primária. Só que, pelo que meu Don Juan contou sobre si mesmo, finalmente entendi: todos os outros eram falsos Don Juans – inclusive o de Molière; e também o de Mozart.”

O leitor encontrará aqui uma história interessante. Peter Handke tem o domínio da narrativa, bom ponto de vista do narrador-cozinheiro e uma trama suave e delicada, que certamente agradará aos que sabem degustar um bom prato ou um bom livro.


imagem retirada da internet: peter handke

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Quarteto, Manuel Vázquez Montalbán



Manuel Vázquez Montalbán



Morte sob medida
     

      Em época de grandes transformações como a nossa é curioso observar a fixidez no romance policial que, se transgride suas regras, torna-se o romance propriamente dito, como é o caso, por exemplo, entre outros, de Rubem Fonseca. O que intriga é a permanência do “fixo” num tempo de “mudanças”. Montalbán insere comportamentos instigantes no gênero, mas não foge a seus preceitos.
        O romance policial pode ser de enigma (Agatha Christie) ou noir (Hammet, Chandler). Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), autor bastante conhecido, em Quarteto (publicado a primeira vez em 1988), encaixa-se no primeiro caso. A virtude do romance policial é seu defeito: tudo gira, previsivelmente, em torno de um crime e sua solução. Quando o leitor se defronta com um livro policial, ele, de antemão, sabe que irá encontrar alguns procedimentos básicos. O leitor médio culto do romance não-policial desconhece os comportamentos do narrador e trama. A diferença, entre inúmeras outras, está em que a literatura policial não apenas trabalha com clichês (a mais ordinária) como também (no caso da mais sofisticada) opera com expectativas apriorísticas.
        O título do livro se refere ao quarteto que é formado por Carlota, a vítima, pelo marido dela, Luis, e por outro casal: Pepa, vulgar e exuberante, e seu marido Modolell, amante de Carlota. O quarteto, que na verdade é um quinteto, contando com o narrador, vive num mundo sofisticado, rico e culto. Com a morte de Carlota, comparada a Ofélia do quadro de Everett Millais (1852), em virtude do afogamento e pela beleza, o grupo se desfaz. E, como soe acontecer nos romances policiais, todos são suspeitos. Esta suspeição do romance policial é que incita a curiosidade: o leitor invade um mundo de perguntas e incriminações, mundo este que ele pode inadvertidamente também um dia vir a pertencer ou, ao ler o romance, nele penetrar e ver-se também “suspeito”. Neste caso, o leitor é suspeito em alto grau: quer romper seu cotidiano, participar de uma trama intricada, vivenciar um mundo que não é o seu cotidiano.
        Montalbán é um escritor que detém todos os instrumentos para construir um relato não-policial. Sua pena é delicada, análise fina e singular dos personagens. Sua erudição compõe o narrador de forma natural e verossímil, nunca introduzindo uma intromissão desabrida e despropositada do narrador apenas para mostrar-se apto a produzir conhecimento distanciado do tema e da trama da história. Geralmente sua erudição serve para situar o personagem, fazê-lo atuar e, principalmente, para a análise que o narrador faz das situações. Não há, no romance policial, como fugir do lugar-comum que, de forma demolidora, reduz a construção refinada. Há um morto, seu crime e sua investigação, feita sempre de modo conservador e redundante. Chega a hora de o detetive, por exemplo, perguntar: “– O que o senhor estava fazendo na tarde de 16 de julho, entre as cinco da tarde e nove da noite?” O espectro se limita e o que era especular e grandioso enquadra-se no modelo mais ordinário. O curioso é que o leitor espera esta pergunta ou outra do gênero para ingressar num universo que ele conhece e nele sentir-se cômodo. É a segurança do conhecido, mais do que propriamente a sutileza da escrita, que o leitor reconditamente busca. O estilo requintado de Montalbán, de certa forma, contraria o princípio estilístico básico do romance policial que é ser claro, nítido, sem que o leitor perceba o estilo. E, se Montalbán segue o caminho dos romances policiais mais avançados, este procedimento não o exclui do método clássico.
         Até o romantismo, os gêneros eram fixos e a norma do fazer literário (da boa literatura) correspondia a não infringir as normas estabelecidas. Ora, o romance policial, como literatura de massa, carrega consigo um conceito deslocado no tempo. O romance policial é bom para o leitor quando não rompe justamente com o gênero, seu modelo e suas normas. Uma delas, da qual Montalbán não escapa, é a máxima de George Butor sobre o romance de enigma: “a narrativa policial superpõe duas séries temporais: os dias do inquérito, que começam com o crime, e os dias do drama que levam a ele”. Na segunda fase, lembra Todorov, os personagens não agem, descobrem.
        Cabe agora o comentário sobre esta edição. É ela patrocinada pelo Ministério da Cultura da Espanha. Penso que um órgão público deveria subsidiar autores de menor expressão de vendas e maior inventividade. E não um autor de forte apelo comercial, traduzido em vários idiomas. De qualquer forma, os leitores de Montalbán, autor de vasta bibliografia e traduzido em vários idiomas, não se sentem desapontados com este Quarteto de cinco pontas.
        Para terminar, lembremos que Quarteto repete a fórmula que nomeio “construção por omissão” do romance de Agatha Christie que à sua época foi “inovador”: O assassinato de Roger Ackroyd. É uma boa leitura e, por não fugir ao gênero, certamente agradará àqueles que o lerão. (RCF)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O último telefonema à mãe, poema RCF


 
O dom de falar ou ouvir como se voz não existisse
e tudo fosse um pensamento apenas, um pensamento
que já existisse pronto para repetir a frase que será
dita e será ouvida e apenas quero sussurrar aos pensamentos
surdos dela que a amo e que não me deixe, porque a perco
em carne e osso como se ela andasse com a mão estendida
de socorro, dormisse com a mão estendida de socorro
e nem ouvido e mão eu pudesse alcançar, como se mão
também tivesse perdido, pensamento e audição, fosse mão
vazia e inútil, supor  os objetos no escuro e caminhar
na vida como quem caminha num quarto escuro,
não o quarto escuro que trazemos a vida toda dentro
de nós, mas o quarto escuro que cada dia é mais escuro,
e no lusco-fusco da vida apenas sussurrar-lhe eu te amo
final e triste como alguém de madrugada certifica-se
que há alguém do outro lado da linha e da vida:
quantos alôs dizemos vida afora como se a vida
fosse sempre dizer que se está presente, uma eterna
sala de aula que dela nunca escapamos e, aprisionados,
apenas repetimos o que a matéria por si só já provaria:
estamos aqui, de corpo e alma presente, até na morte,
quando estaremos mais presentes e como nunca
mais ausentes e, assim, a vida como sala de aula
e um infindável telefonema poderemos sussurrar
ao mundo que estamos aqui até a última chamada
e o telefone desligar.                                                              








(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)




A criação literária ao alcance de todos, por Adelton Gonçalves


Massaud Moisés
                                              

 
                                                                                                                     Adelto Gonçalves (*)

                                               I

 

         Se é difícil admitir-se que se possa ensinar Literatura, como observou Fidelino Figueiredo (1889-1967), o ensino da atividade crítica pode ser algo ainda mais questionável. Mesmo assim, ensina-se. E quem quiser pode aprender muito. É o que propõe A Criação Literária – Poesia e Prosa (São Paulo, Cultrix, 2012), de Massaud Moisés, obra anteriormente publicada em três volumes, um dedicado à poesia e dois à prosa, que acaba de ganhar uma edição revista, atualizada e unificada.

            Concebida originalmente sob o título de Introdução à Problemática da Literatura, a obra, cuja primeira edição é de 1967, mereceu sucessivas impressões e constitui o melhor manual de teoria literária produzido no Brasil. Não é de admirar que ainda seja largamente utilizado nos cursos de Letras.

            É claro que a imensa maioria que recorre a este livro – que é, acima de tudo, didático – é formada por aqueles que almejam uma carreira no magistério na área de Letras. Mas este livro é fundamental mesmo para quem quer seguir uma atividade cada vez menos prestigiada nestes dias, a de crítico literário.

            Até porque esta não é uma carreira profissional e ninguém sobrevive como crítico ou resenhista de livros nem sobreviveu em outros tempos. Agrippino Grieco (1888-1973), grande crítico literário e ensaísta, que viveu seus últimos dias no subúrbio carioca da magra aposentadoria de ferroviário, sempre lamentou o tempo que perdera analisando obras de autores que considerava inferiores a ele em talento. Mas, se não constitui uma carreira profissional, a atividade ao menos serve não só para bem ocupar as horas de ócio como acumular erudição e, melhor ainda, estimular e exercitar os neurônios, o que, na idade madura, pode ajudar a retardar as manifestações do mal de Alzheimer. Já não é pouco.

            Para piorar, nestes dias que correm, as revistas e suplementos literários, praticamente, desapareceram. E os que sobreviveram, diante de tantas dificuldades econômicas, não costumam remunerar seus colaboradores. O último, justiça se faça, que ainda pagava por colaboração era o suplemento Caderno de Sábado, que desapareceu no começo do século XXI, numa daquelas crises periódicas pelas quais passou o Jornal da Tarde, de São Paulo, até o seu fechamento às vésperas do Dia de Finados de 2012.

 

                                                           II

            Seja como for, se ainda hoje há jovens que, contrariando a vontade paterna, queiram iniciar-se nesta atividade e tenham disposição e espaço para ler e guardar a infinidade de livros que editoras e autores vão lhe enviar pelo correio, para estes não há outro caminho que não seja começar por A Criação Literária. Afinal, por aqui, vão aprender que o verso é só uma maneira de marcar melhor a narrativa, ou seja, “é mero instrumento da narrativa, que assume valor absoluto”.

            Portanto, verso não significa poesia, como sabe quem lê literatura de cordel ou os contos em versos de Geoffrey Chaucer (c.1343-1400) ou de La Fontaine (1621-1695). Na verdade, diz Moisés, a “poesia é a expressão do ‘eu’ por palavras polivalentes, ou metáforas”. São expressões que, como observou Octavio Paz (1914-1998), em O Arco e a Lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982), foram classificadas pela retórica e chamam-se, além de metáforas, comparações, símiles, jogos de palavras, paronomásias, símbolos, alegorias, mitos, fábulas etc.

            Essas expressões verbais têm ritmo próprio, ou seja, são o próprio ritmo, o mundo da alma do poeta. Não se deve, porém, confundir ritmo com cadência. Para Moisés, “a cadência participa da formulação do ritmo, mas não o determina: na verdade, o ritmo engloba a cadência, como o todo implica a parte”. Já o ritmo, diz, constitui “a sucessão de unidades melódico-emotivo-semânticas, movendo-se na linha do tempo”.

            É por isso que pode haver poesia em textos armados em versos ou em linhas cheias, ou seja, numa crônica, conto ou em qualquer outro texto, como, por exemplo, El jardín de senderos que se bifurcan (1941), de Jorge Luis Borges (1899-1986), que Octavio Paz define como poema. Segundo o poeta, nesse relato, “a prosa se nega a si mesma: as frases não se sucedem, obedecendo a uma ordem conceitual ou narrativa, mas são presididas pelas leis da imagem e do ritmo. Há um fluxo e refluxo de imagens, acentos, pausas, sinal inequívoco da poesia”. Em outras palavras: estamos diante de uma prosa poética.

                                                           III

            Já poema em prosa é, antes de tudo, poema, como diz Moisés, ou seja, a sua meta consiste na expressão da poesia, enquanto na prosa poética o objetivo do ficcionista é “recriar o mundo, inventando uma história e suas personagens, ainda que numa atmosfera de permanente lirismo”. Poemas em prosa são pequenas peças líricas em que toda a primazia é do “eu”, isto é, o poeta volta-se para dentro de si, “fazendo-se ao mesmo tempo espetáculo e espectador”. Como exemplo, leia-se fragmentos do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa (1888-1935).

            Nenhuma dessas formas, porém, confunde-se com o poema de forma livre, em que, segundo Moisés, o metro cede lugar ao ritmo que, sem a cadência imposta pela forma fixa, torna-se “a própria alma do verso”, na definição de Antonio Candido, em O Estudo analítico do poema ((Terceira Leitura, FFLCH/USP, 1987). Como exemplo, leia-se Oito elegias chinesas (Lisboa: Edições Descobrimento, 1932), poemas traduzidos por Camilo Peçanha (1867-1926), um dos precursores do Modernismo português.

            O que sustenta as Oito elegias chinesas é o ritmo, que espelha também toda a inquietação e as alterações do espírito e da sensibilidade do poeta/tradutor. Livre da camisa-de-força da forma fixa, Peçanha, como tradutor, sentiu-se à vontade nos poemas/traduções para colocar toda a tristeza de sua alma de autoexilado em Macau que se identificou com a anima de poetas chineses desterrados do tempo dos Ming (1368-1628). Para tanto, foi mais longe na subversão das formas poéticas tradicionais, suprimindo rimas, fazendo cortes bruscos, reduções inesperadas ou prolongamentos desmedidos – inclusive, adotando soluções da prosa como a divisão silábica.

            Mas não é só para elucidar estas questões ligadas à teoria da poesia, aparentemente difíceis, que serve este A Criação Literária. Vai mais longe ao analisar também as formas em prosa, como o conto, a novela, o romance, a crônica e o teatro, além de outras formas híbridas e, por fim, a crítica literária, “talvez o mais espinhoso e controverso” dos problemas relativos à teoria da Literatura, como o próprio autor admite.

                                               IV

 

            Professor titular aposentado da Universidade de São Paulo, Massaud Moisés foi professor visitante nas universidades de Wisconsin, Indiana, Valderbilt, Texas, Califórnia e Santiago de Compostela. Alguns dos seus livros, consagrados à teoria literária e às literaturas em vernáculo, constituem referência obrigatória para estudantes e estudiosos destas matérias como evidenciam as sucessivas edições que têm merecido História da Literatura Brasileira, 3 v.,  A Análise Literária, Dicionário de Termos Literários, A Literatura Brasileira Através dos Textos,  A Literatura Portuguesa Através dos Textos,  Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, A Literatura Portuguesa,  Fernando Pessoa:  o Espelho e a Esfinge e Machado de Assis: Ficção e Utopia,  todos publicados pela Cultrix, A Literatura como Denúncia (Cotia-SP: Íbis, 2002) e As Estéticas Literárias em Portugal, 3 v. (Lisboa: Editorial Caminho, 2002), entre outros.

 

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A CRIAÇÃO LITERÁRIA – POESIA E PROSA, de Massaud Moisés, edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Cultrix, 2012, 782 págs. R$ 78,00. E-mail: atendimento@editoracultrix.com.br Site: http://www.editoracultrix.com.br

 

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Juan Calzadilla, poeta venezuelano






MARIONETE



Alcança-me, digo a mim mesmo, e apresso o passo, quase
diria que corro, dando pernadas, atrás de mim. Mas
é que poderei dar alcance a alguém que permanece fixo
em um ponto tal que, quando avanço, também ele
avança na mesma direção, como se ambos
estivéssemos soldados aos extremos do braço de um
pantógrafo? Para qualquer lado que ensaie dar um passo,
algo de mim, que sou eu mesmo, desprende-se para
colocar-se, proporcionalmente, com urgência,
na mesma distância de antes. O que sou e o
que procura distanciar-se de mim enquanto trato de dar
alcance manifestam-se simultaneamente.

Só uma dúvida persiste: qual desses dois extremos do
mesmo braço sou eu realmente?





Juan Calzadilla (1931) é um dos poetas venezuelanos mais representativos de seu país.


Tradução: Floriano Martins

imagem retirada da internet