sexta-feira, 22 de abril de 2022

Museu , poema RCF



Museu Rodin - philadelphia - Sofitel
Rodin. O beijo


As esculturas 
exibem os músculos da eternidade, 
as vísceras de bronze, 
os gestos de ferro.

É uma fotografia com relevo, 
a taxidermia dos indiferentes.

Ao contrário, 
temos a dramaturgia 
do fim, 
a horizontalidade do precário, 
a exibição rude, 
a plástica dos velórios, 
no museu subterrâneo dos cemitérios.

Há outra versão: 
pensemos que somos estátuas moventes 
e que cada ato 
é uma pose para a efemeridade 
dos atos humanos 
na plástica dos encontros 
e no cinzel das horas. 




(do livro Matadouro de vozes, 2018)


quarta-feira, 20 de abril de 2022

Os ares viciados da fortuna, poema RCF









 




Os ares são vários 
e subsistem à fúria 
dos mandos e, vira e mexe, 
são tornados em mansos 
ou solipcistas, rodam em torno
de si, como loucos que são gira.
Só necessito de outros ares, 
embora desconheça 
onde se encontram, 
pois um ar europeu
tem a mesma densidade e amargura,
a mesma textura desatinada 
e a mania que os ares têm
de uivarem como lobos. 

Os ares viajam mundo, 
desconhecem a fronteira do mal
e nos oprimem com sua dança flamenca.
Todo homem deveria produzir seu próprio 
e devastado redemoinho. 
Os pulmões fracos me inspiram o fim
e a vontade que me expele do mundo.



(do livro Matadouro de vozes. Rio: 7Letras, 2018)




terça-feira, 19 de abril de 2022

Fiesta con salsa y sinfonía, poema RCF








Na recepção da Embaixada do Brasil,
estava el maestro Antonio Estévez
sentado en su silla, em Caracas, Venezuela,
porque precisava de pernas de pau
já que suas duas de carne
não lhe davam sustento e batuta.
Não podia caminhar el maestro
y se quedaba sólo sem que ninguém
com ele formasse dueto de conversa e outro som
que não fosse a música que nascia e morria em seus ouvidos.
Antonio, o Villa-Lobos de seu país,
era apenas um compositor sem poder
além de seus concertos.
E o Villa-Lobos venezuelano,
porque no tenia poder,
casi ciego en su vejez
ali ficou escondido do alarido
dos copos e brindes sem harmonia,
preso a sua música, a su silla prisioneira
alheia à noite, à maquiagem dos sorrisos
absorto em sua morte prematura,
segurando sua bengala à frente
como se fosse um leme ou guidão
ou cão espigado à espera que o dono deixasse
la silla y la fiesta e mergulhasse em seu mundo,
a caixa de música que era seu cérebro.

Olhei Antonio Estévez ,
el mago de la música,
y su cuerpo sudaba melodia.
Era meia-noite e a algaravia de chimbos
não deixava que se ouvisse
o som que do corpo partia
como a chama foge do fósforo.
Pensei no poder, na música, na velhice,
na solidão, na bengala e me ocorreu
que um homem passa muitos anos sentado
numa cadeira de cinco patas,
numa festa que o ignora
e só ouve palavras, cego e sem poder,
uma forma de desterro
em que se senta o exilado.



(Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)