sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O comprimento do homem simples, RCF




O homem simples mede apenas um palmo.
Um palmo de pouco,
um acúmulo de resto.
O homem simples
também pouco se cumpre.

O tempo simples
não se adorna
de passado
ou anseia por futuro,
regula-se pelo presente
exíguo, descarnado,
tempo de ponteiros nus,
tempo de relógios de ponto
que marcam a entrada na vida
até o final do expediente na morte.


Nasce de um desleixo
e termina num descaso.


(O difícil exercício das cinzas. 2014)
(foto: can dagarslani)

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Leveza do escuro

gaveta


O sol mancha as árvores
com suas sombras longas.
A natureza se espreguiça
com seus braços de galhos.
Nada é fixo e tudo muda.

Queria ser ligeiro
como um dia após o outro,
mas consigo apenas
andar ao longo dos meses,
que são paquidermes do tempo,
embora, ao fim e ao cabo,
percebo a metamorfose:
foi apenas uma andorinha
e seu verão que rápido alçaram voo.
E então sinto que passo feito sombra:
intermitente, incorpóreo e obscuro.





(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)